Vitória anunciada de Michael Haneke

Presidente do júri, Isabelle Huppert vestiu-se de branco, cor presente no título do filme do diretor, ao divulgar o ganhador

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Por Luiz Carlos Merten e CANNES
Atualização:

Podem-se discutir certas idiossincrasias do júri presidido por Isabelle Huppert - como a de haver ignorado o belo filme do cineasta palestino Elia Suleiman, The Time that Remains -, mas de maneira geral e seus companheiros fizeram a coisa certa. O premio de direção para Jacques Audiard, por Un Prophèt; o de melhor atriz para Charlotte Gainsbourg, por Anti-Christ, de Lars Von Trier; e o de melhor ator para Christoph Waltz, por Inglorious Basterds, de Quentin Tarantino, foram impecáveis. Havia, desde o início, a suspeita de que a atriz, à frente do júri, daria a Palma de Ouro para um de seus autores favoritos, o austríaco Michael Haneke, que a dirigira em A Professora de Piano, pelo qual ganhou seu segundo premio de interpretação neste festival (o anterior fora por Violette Nozière, de Claude Chabrol). Se Isabelle realmente estava empenhada em premiar Michael Haneke, digamos que ela não precisou fazer muito esforço para convencer seus companheiros de júri. Ela até sinalizou sobre a escolha, vestindo-se de branco para a festa de premiação, o que já era um anuncio de que Le Ruban Blanc (Das Weisse Band) levaria a Palma do 62º Festival International du Film. Você não precisa ser hanekiano de carteirinha para aprovar a escolha do júri. Le Ruban Blanc é o melhor filme do diretor austríaco, um trabalho de grande rigor estético (em preto e branco). Haneke joga a carta da beleza para traçar um quadro sombrio da Prússia anterior à 1ª Guerra, por volta de 1913/14. É neste quadro que ele retrata a origem do mal, filmando a infância que, anos mais tarde, na idade madura, haveria de alicerçar o nazismo. Le Ruban Blanc poderia levar o título de A Aldeia dos Amaldiçoados, se ele já não pertencesse a uma fantasia clássica de terror, realizada por Wolf Rilla por volta de 1960 (e refilmada, sem muito brilho, por John Carpenter). A história passa-se nessa aldeia cuja calma é subvertida por estranhos acontecimentos, envolvendo principalmente as crianças do lugar. Elas sofrem as consequências de um sistema rígido de educação. Com apenas uma exceção, essas crianças foram preparadas para não ter compaixão, e não têm. É como se Haneke tivesse filmado a infância do caçador de nazistas do filme de guerra de Quentin Tarantino, que Christoph Waltz interpreta com brilho diabólico. Concorrendo pelo segundo ano consecutivo em Cannes - após Serbis, em 2008 -, o filipino Brillante Mendoza recebeu o prêmio de direção por Kinatay, um mergulho assustador na realidade de seu país. O próprio Mendoza admite que o horror da violência de seu filme talvez possa ser encontrado em outras capitais, mas assinala que Manila tem áreas tão sombrias que nem ele se atreve a pisar nesses territórios controlados pela criminalidade. O filme é centrado num episódio brutal - o assassinato (e estripação) de uma prostituta que é viciada em drogas e não saldou sua dívida com um traficante. Mendoza trabalha o tempo para produzir uma exasperação no espectador. Alain Resnais filma com graça e, durante quase toda a duração de Les Herbes Folles, o espectador fica convencido de que o mestre não precisa de muita coisa para fazer mais um grande filme. O encantamento se desfaz no desfecho insatisfatório e Resnais - cujo clássico Hiroshima, Meu Amor, premiado aqui em Cannes, em 1959, é considerado um dos marcos definidores da nouvelle vague - teve de se contentar com um prêmio de consolação. O Grand Théâtre Lumière levantou-se em peso para aplaudir um gênio do cinema, quando Resnais subiu ao palco para receber o prêmio excepcional do júri. Isabelle Huppert disse que era um momento ?particular? da premiação. Resnais ironizou. Disse que o prêmio era inesperado e surpreendente, mas agradeceu com elegância e pediu a seus atores que se levantassem na plateia. Sabine Azéma e Michel Dussolier são dois veteranos colaboradores do grande diretor. Sabine chorava de emoção. Resnais já deixara claro que, por ele, não teria vindo a Cannes, mas era um desejo dos produtores, que lhe forneceram os recursos de que necessitava para fazer um dos filmes mais caros de sua carreira e, logicamente, não poderia recusar-lhes esse prazer. A noite foi de Haneke, mas ele também não parecia eufórico. Por melhor que seja Le Ruban Blanc, e é, sempre haverá a suspeita de que Mademoiselle Huppert manipulou para favorecê-lo.

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