Vertigem retoma Dido e Enéas nada convencional

Antônio Araújo volta a dirigir a tragédia de Purcell em mais quatro récitas, em um dos galpões da Central Técnica de Produção do Teatro Municipal de São Paulo

PUBLICIDADE

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Ele já adentrou com sua trupe um hospital abandonado, uma igreja de polêmicas, um presídio; também velejou nas águas inóspitas do Rio Tietê. Mas nenhum desses terrenos assustou tanto o diretor Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem, quanto um outro, misterioso, complicado, repleto de convenções: a ópera. "Fiquei muito apreensivo, nunca havia dirigido óperas. Como ouvinte, gosto bastante, mas há uma diferença grande entre ouvir e montar um espetáculo", diz ele, que assinou em setembro uma produção de Dido e Enéas, de Purcell, para marcar a inauguração da Central Técnica de Produção do Teatro Municipal, e que volta para mais quatro apresentações a partir de hoje. Como nos outros trabalhos do diretor, nada há de convencional no palco escolhido. A apresentação se dá em um dos galpões da central técnica, localizada próxima ao estádio do Canindé, onde são confeccionados e guardados os cenários e figurinos das produções do teatro. "Procurei estabelecer um jogo entre a memória e o sentido do lugar", diz Araújo. "Ali estão cenários e figurinos de diversas óperas. O maestro Jamil Maluf, diretor do Municipal, me deu carta branca para usar o que eu quisesse do acervo. Mas, como lidar com a diversidade do material sem transformar a montagem em um samba do crioulo doido, em um carnaval? A central é um espaço em que se constroem coisas e esse foi o norte para a utilização do espaço. Em vez de usar, por exemplo, o trono do Macbeth ou outro adereço de uma Aida, preferi utilizar os materiais antes da confecção, no estado bruto." A ópera fala do amor de Dido, filha de Mattan I, rainha e fundadora de Cartago, e o guerreiro troiano Enéas, recontado na Eneida de Virgílio. "Sempre que vou em busca de um texto, me pergunto o que ele tem a dizer sobre minha época", explica Araújo. "Aqui, o que me incomodava eram as bruxas, que me pareciam muito anacrônicas. Até que resolvi pensá-las a partir do elemento religioso. Elas simbolizam um fundamentalismo religioso com o qual nossa época, marcada pela mistura perniciosa de política e religião, pode se identificar. Essa insinuação da religião acabou se transformando na chave de leitura da minha montagem." A direção musical e regência é de Tiago Pinheiro, que comanda a Camerata Barroca, formada por músicos da Orquestra Experimental de Repertório, e o Coral Paulistano. No elenco, a meio-soprano Luisa Francesconi (Dido), o barítono Leonardo Neiva (Enéas), a meio-soprano Silvia Tessuto (Feiticeira) e a soprano Rosimeire Moreira (Belinda). Serviço Dido e Enéas. Central de Produção Chico Giacchieri (220 lugs.). R. Paschoal Ranieri, 75, Canindé, 2846-6000. Hoje e dom, 20h; sáb, 19h e 21h. R$ 20

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.