Ele já adentrou com sua trupe um hospital abandonado, uma igreja de polêmicas, um presídio; também velejou nas águas inóspitas do Rio Tietê. Mas nenhum desses terrenos assustou tanto o diretor Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem, quanto um outro, misterioso, complicado, repleto de convenções: a ópera. "Fiquei muito apreensivo, nunca havia dirigido óperas. Como ouvinte, gosto bastante, mas há uma diferença grande entre ouvir e montar um espetáculo", diz ele, que assinou em setembro uma produção de Dido e Enéas, de Purcell, para marcar a inauguração da Central Técnica de Produção do Teatro Municipal, e que volta para mais quatro apresentações a partir de hoje. Como nos outros trabalhos do diretor, nada há de convencional no palco escolhido. A apresentação se dá em um dos galpões da central técnica, localizada próxima ao estádio do Canindé, onde são confeccionados e guardados os cenários e figurinos das produções do teatro. "Procurei estabelecer um jogo entre a memória e o sentido do lugar", diz Araújo. "Ali estão cenários e figurinos de diversas óperas. O maestro Jamil Maluf, diretor do Municipal, me deu carta branca para usar o que eu quisesse do acervo. Mas, como lidar com a diversidade do material sem transformar a montagem em um samba do crioulo doido, em um carnaval? A central é um espaço em que se constroem coisas e esse foi o norte para a utilização do espaço. Em vez de usar, por exemplo, o trono do Macbeth ou outro adereço de uma Aida, preferi utilizar os materiais antes da confecção, no estado bruto." A ópera fala do amor de Dido, filha de Mattan I, rainha e fundadora de Cartago, e o guerreiro troiano Enéas, recontado na Eneida de Virgílio. "Sempre que vou em busca de um texto, me pergunto o que ele tem a dizer sobre minha época", explica Araújo. "Aqui, o que me incomodava eram as bruxas, que me pareciam muito anacrônicas. Até que resolvi pensá-las a partir do elemento religioso. Elas simbolizam um fundamentalismo religioso com o qual nossa época, marcada pela mistura perniciosa de política e religião, pode se identificar. Essa insinuação da religião acabou se transformando na chave de leitura da minha montagem." A direção musical e regência é de Tiago Pinheiro, que comanda a Camerata Barroca, formada por músicos da Orquestra Experimental de Repertório, e o Coral Paulistano. No elenco, a meio-soprano Luisa Francesconi (Dido), o barítono Leonardo Neiva (Enéas), a meio-soprano Silvia Tessuto (Feiticeira) e a soprano Rosimeire Moreira (Belinda). Serviço Dido e Enéas. Central de Produção Chico Giacchieri (220 lugs.). R. Paschoal Ranieri, 75, Canindé, 2846-6000. Hoje e dom, 20h; sáb, 19h e 21h. R$ 20