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Utopia e distopia na América

Por Matthew Shirts
Atualização:

Não deu para festejar direito a vitória do Barack Obama. Mal haviam terminado os bailes de inauguração e lá estava o novo presidente americano às voltas com uma crise financeira que coloca em questão o futuro do capitalismo, nada menos. O mundo torce por Obama. Sinto isso. Mas as emoções são fortes. O instante de otimismo supremo foi breve. Seguiram-se previsões de trevas. Acrescente-se às preocupações econômicas a discussão em torno do aquecimento global - se a temperatura do planeta subirá dois, quatro ou seis graus - e chegamos a um cenário emocional apocalíptico ou, no mínimo, instável. O novo presidente americano acena com a possibilidade de tirar uma solução milagrosa da manga. Diz trabalhar por uma revolução verde que estimulará a economia e esfriará a atmosfera. Não se sabe, ainda, se Barack vai conseguir realizar essa proeza. Será o equivalente a empatar o jogo com um gol de placa e ainda ganhá-lo com outro nos descontos. Mas Ronaldo, o fenômeno, está aí para provar que nada é impossível. Enquanto isso, leio o que consigo a respeito da crise. Mas o jogo mudou tanto de dois anos para cá que os livros - recentes - não conseguem acompanhar a realidade. Ninguém sabe como isso vai acabar. O drama é grande. Quem poderia dizer há apenas 24 meses que Wall Street estaria hoje de joelhos, Barack Obama, presidente e Hillary Clinton, secretária de Estado? Que os Estados Unidos devem para a China 2 trilhões de dólares? Alguns previram o desastre. Chamou minha atenção um artigo na revista New Yorker sobre alguns deles. Saiu no fim de janeiro, é da autoria de Ben McGrath, e por algum motivo ando com ele na mochila para cima e para baixo. Vai entender. De vez em quando, no ônibus, eu o releio. Chama-se The Dystopians ou, em português, os distópicos. São umas figuras esses caras. Seriam divertidos em outro momento qualquer. Um deles vendeu tudo e comprou um veleiro. Acredita que, em breve, será a única forma viável de locomoção. Equipou-o com painéis de energia solar. E, por via das dúvidas, adaptou o barco também à terra firme. Criar galinhas, diz, pode ser uma solução, se as coisas se complicarem no mar. Outro, James Howard Kunstler, publicou um alerta, em 2005, dizendo que o mundo estava prestes a ruir com um gigantesco "esquema de pirâmide", montado em produtos financeiros incompreensíveis como "derivativos" e trocas de crédito. O acerto da previsão lhe deu notoriedade súbita. Sua crítica se baseia em sinais aparentes, também, como a proliferação de tatuagens, a arquitetura de motéis e o modelo suburbano do desenvolvimento do Estados Unidos no pós-guerra. Ele vê decadência em toda parte, segundo o artigo na New Yorker. Seu blog, cujo nome não vou repetir, pode ser lido como uma crítica "ao globalismo otimista de Thomas Friedman", o colunista do jornal New York Times, de quem sou fã, diga-se. Hoje, na pequena cidade onde vive, Kunstler é visto com respeito jocoso. Se sai com guarda-chuva, perguntam-lhe na rua se está prevendo chuva... É de se notar que o próprio Thomas Friedman vem incluindo a crise ambiental nas suas análises econômicas. Numa coluna recente, chamada, A Ruptura, escreve: "E se a crise de 2008 representa algo muito mais fundamental do que uma recessão profunda? E se ela estiver nos dizendo que todo o modelo de crescimento que criamos no decorrer dos últimos 50 anos é, simplesmente, insustentável em termos econômicos e ecológicos, e que 2008 assinala o momento em que chegamos ao seu limite - quando tanto a Mãe Natureza como o mercado exclamaram em alto e bom som: ?Chega!?" Ou seja, parece haver certo consenso entre otimistas e pessimistas, pelo menos quanto ao diagnóstico. Alcançamos um limite. Resta-nos torcer para que a ofensiva americana funcione e o mundo consiga reorganizar seu modelo econômico e ambiental. Lula diz que reza pelo presidente dos Estados Unidos. Ele precisa desse apoio, que chegou em boa hora. Aguardo, ainda, e com ansiedade, o momento de festejar, sem preocupações, a vitória do Barack Obama.

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