Uma viagem pela História e pela arte

Em Máquina para os Deuses, cenógrafo Cyro Del Nero compartilha seus saberes

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Há quem identifique em Cyro Del Nero um grande diretor de arte em televisão. Antes mesmo de esse termo ter sido cunhado, criou imagens para aberturas de novelas de efeitos surpreendentes numa época em a computação gráfica estava longe de existir. Para o Fantástico criou o primeiro videoclipe nacional para Raul Seixas. Outros reconhecem nele o artista que valorizou a moda nos anos 60 ao criar cenários para os famosos desfiles da Fenit. Mas no teatro está a origem de sua arte e, com justiça, seu reconhecimento maior está associado à cenografia teatral. Em mais de 50 anos de carreira foram centenas de criações para peças e óperas, no Brasil e no exterior - Atenas, Berlim, Lyon, Sófia. Cyro Del Nero pertence a uma geração de artistas brasileiros que aprenderam seu ofício não pela educação formal, mas pelo poder de observação, movidos pela paixão, interesse e curiosidade intelectual. Hoje, é professor titular de pós-graduação do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e, sem dúvida, pode-se dizer que o desejo de compartilhar o aprendizado de uma vida inteira é uma de suas marcas registradas. Tal impulso move a publicação do livro Máquina para os Deuses, Anotações de Um Cenógrafo e o Discurso da Cenografia, editado em parceria pelo Senac e pelo Sesc. No texto de apresentação, o ator, diretor e dramaturgo Juca de Oliveira conta que subiu ao palco pela primeira vez como profissional para atuar num de seus cenários, para a peça A Semente, de Guarnieri, dirigida por Flávio Rangel. Nesse mesmo ano, 1961, Cyro Del Nero ganhara o prêmio de cenografia na 6ª Bienal de Artes Plásticas de São Paulo. Por qual trabalho? A recriação visual de uma favela para uma montagem de Quarto de Despejo, peça inspirada no livro homônimo de Maria Carolina de Jesus, sob direção de Amir Haddad, obra que esse artista recorda com orgulho em sua entrevista ao Estado. "Se existe algo que não me agrada é sermos colônia cultural. No Brasil existem produções celebradas que são apenas traduções de referências europeias." A mesma premiação incluiu ainda a cenografia de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, como conta Cyro Del Nero em entrevista ao jornal do Espaço Cenográfico, de J. C. Serroni, reproduzida no livro. A vocação didática do autor se faz presente até no lançamento, hoje no Sesc Pinheiros, quando ele falará sobre a (vasta) pesquisa iconográfica que ilustra o volume. Juca de Oliveira recorda ainda que Cyro Del Nero assinou a cenografia de sua peça Meno Male!, dirigida por Bibi Ferreira, trio que se uniu outra vez na recente parceria artística de Às Favas com os Escrúpulos, desta vez dirigida por Jô Soares. Bastaria a história narrada por Juca nesse texto de apresentação - sobre a generosidade de Cyro Del Nero que propiciou sua ?fuga? do Brasil, após o golpe de 64, levando-o ?a bordo? de seu fusca 63 até a fronteira com a Bolívia - para imaginar que esse cenógrafo teria muito que narrar em seu livro, se quisesse contar sua trajetória nos palcos brasileiros. Mas é outra a opção, e ambição, desse volume ilustrado com muitas imagens, que traz uma cronologia na qual entrelaça teatro e História - 508, Introdução da Nova Constituição Democrática em Atenas, por Sólon; 500, Píndaro começa a escrever sua odes líricas; 499, Primeira Produção de Ésquilo - e glossários que são, para qualquer leitor interessado em teatro, preciosa fonte de consulta. Sim, glossários, no plural, de termos técnicos que envolvem dispositivos de palco, arquitetura, e ainda de elementos dos teatros grego e romano. Uma Viagem na História dá início ao volume e atrai leitores de qualquer formação. Em setembro de 1956, aos 26 anos, Cyro Del Nero viajou pela primeira vez para a Grécia. Alguns meses no país e já trabalhava como assistente de cenografia no Teatro Real Grego. Só voltou ao Brasil em 1960, trazendo na bagagem a experiência de ter sido parceiro de criação de Wieland Wagner, neto de Richard Wagner. E jamais perdeu sua ligação com a Grécia para onde já viajou por mais de 30 vezes, experiência que compartilha no início do volume como guia erudito e apaixonado. Wieland (1917-1966) merece um capítulo especial, assim como renovadores da cena como Gordon Craig (1872-1966) e Joseph Svoboda (1920-2002). Serviço Máquina para os Deuses. De Cyro Del Nero. Editora Senac e Edições Sesc SP. 384 págs., R$ 60. Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. 4.ª, 20 h Novos Palcos DENTRO: E quando é preciso ?entrar? na cenografia? Sobre palcos fora do edifício teatral debruça-se o pesquisador Evill Rebouças no livro A Dramaturgia e A Encenação no Espaço Não Convencional (Unesp, 224 págs.,R$ 31,20). Ele toma como ponto de partida a trilogia bíblica do Teatro da Vertigem e o Evangelho para Lei-gos, da Cia. Artehúmus que têm em comum ocupação de espaços inusitados - igreja, hospital, penitenciária e banheiro público - para abordar, com muita acuidade, a interferência dessa cenografia sobre espetáculo e espectador. MESTRE: O alemão Anatol Rosenfeld é definido por toda uma geração de artistas teatrais brasileiros como mestre de mestres. Durante os quase 40 anos vividos no País abordou da filosofia ao futebol em palestras, textos e cursos. Por sorte, uma de suas alunas, Neusa Martins, taquigrafou um desses cursos em aulas que vão desde os gregos até Beckett, passando por Brecht, Strindberg, Ibsen e Stanislavski. É teoria com a fluência da oralidade agora editada no livro Aulas de Anatol Rosenfeld (1968) - A Arte do Teatro (Publifolha,408 págs., R$ 34,90).

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