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Uma Traviata a caminho do refinamento

Sem direção cênica e com rendimento vocal interessante, o que se viu foi a apresentação de um material bruto

Por Lauro Machado Coelho
Atualização:

Uma encenação despojada da Traviata, como a que estreou sexta-feira no Teatro São Pedro, pode funcionar. Sem entrar no mérito das qualidades do figurino, o palco nu, com apenas um ou outro elemento cênico, não afeta o resultado. O problema dessa montagem é a inexistência de direção cênica que, embora creditada à soprano argentina Adelaida Negri, é totalmente inoperante. Nenhum dos cantores é bom ator; e a ausência de uma efetiva direção de atores os deixa ao deus-dará de seus próprios recursos, pois o espetáculo é, a maior parte do tempo, estático e às diversas possibilidades de movimentação cênica não se dá muita atenção. Nesses termos, resta avaliar o rendimento vocal, no qual esteve o que a récita de sexta-feira ofereceu de interessante. A soprano Chiara Bonzagni, que fez aqui a sua primeira Violetta Valéry, é uma lírico spinto, o que faz esperar dela melhor desempenho do segundo ato para a frente, na medida em que o papel ganha em densidade. E, de fato, as suas dificuldades com o primeiro ato se evidenciaram no legado imperfeito e na coloratura cautelosa do "Sempre Libera". Mas, superado esse obstáculo, a sua interpretação começou a crescer, ao longo do dueto com Germont pai, no segundo ato - com um "Amami, Alfredo" bastante comovente -, para chegar a um eficiente concertato do terceiro ato. Nessas condições, foi realmente apreciável o resultado obtido por Bonzagni não só em "Addio del Passato", mas em todo o último ato, fechando muito bem essa sua primeira aproximação de um papel que não é naturalmente indicado para ela. O timbre basicamente bonito de Mario Leonardi - o que foi possível constatar em seus melhores momentos, no terceiro ato - foi comprometido, desde o dueto do primeiro ato, pelos problemas de uma voz que soa cansada, com notas esgarçadas, áreas descoloridas do registro e região aguda alcançada com dificuldade. No segundo ato, ele esteve a um fio de cabelo da quebra de nota em "De? Miei Bollenti Spiriti". E seu desempenho em "Parigi, o Cara" foi irregular a ponto de ser ele quem dava a impressão de estar doente. Afastado havia algum tempo do palco, Rodolfo Giugliani retornou numa interpretação de Germont pai em muito boa forma vocal, com resultados apreciáveis no grande dueto do segundo ato, na ária "Di Provenza", e nas cenas de conjunto dos dois atos finais. Causa uma impressão curiosa uma Traviata em que o barítono é mais aplaudido do que o tenor. A uma distribuição homogênea e correta dos papéis secundários, somou-se uma atuação satisfatória do Coral Vozes de São Paulo, em especial na seqüência das "zingarelle" do terceiro ato, que se saíram bastante bem. A regência de Emiliano Patarra, desta vez, conseguiu manter sob razoável controle os problemas de equilíbrio vozes/orquestra, comuns com o tipo de acústica do Teatro São Pedro. De um modo geral, as suas intenções interpretativas eram corretas, mesmo quando os resultados técnicos deixavam a desejar - sobretudo no que se refere à árdua escrita para cordas, nos dois prelúdios, que a Orquestra Jovem Municipal de Guarulhos teve de enfrentar. O que se assistiu, em suma, foi à apresentação de um material bruto que, nas cinco récitas restantes, até o próximo sábado, terá condições de se refinar. Serviço La Traviata. 150 min. (com 2 intervalos de 10 min. cada). Teatro São Pedro (636 lugares). Rua Barra Funda, 171, telefone 3667-0499. 5.ª, às 20h30; sáb., às 17 horas. R$ 20

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