Uma singela história de amor, em meio à uma guerrilha

Para filmar Coração do Tempo, Alberto Cortés precisou de autorização da liderança zapatista para rodar em seu território

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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A grande novidade do Cine Ceará foi Coração do Tempo, do mexicano Alberto Cortés, primeira ficção realizada na região de Chiapas, dominada pelos zapatistas do subcomandante Marcos. Em entrevista, Cortés disse que já havia feito três documentários, antes de se envolver nesse seu primeiro longa de ficção. "Foi um processo de preparação muito longo. O território zapatista não tinha luz nem TV e nunca tinham visto um filme. Para motivá-los, mostramos a eles de Chaplin ao cinema mexicano dos anos 40 e 50, até chegar a Matrix e O Tigre e o Dragão", disse. A ideia de base não foi chegar com uma história preconcebida e depois encontrar os atores que a encenassem. Pelo contrário, ela foi sendo construída ao longo desses anos de convencimento e ambientação. Havia outra dificuldade. A liderança zapatista, a princípio, não tinha qualquer interesse que se fizesse cinema em seu território. Sentiam como algo ameaçador à sua segurança. Mas, à medida em que a confiança se estabelecia entre os líderes e a equipe de Cortés, a tensão foi se diluindo. "Até que se chegou à conclusão de que, sim, eles queriam o filme. E então tudo fluiu. Quem está fazendo uma revolução faz um filme com a maior facilidade", ri Cortés. Para conseguir a autorização, Cortés chegou à liderança máxima zapatista, acima mesmo do subcomandante Marcos. "Falei com o comandante Tacho e contei com o auxílio de Marcos, que é um cinéfilo." O filme pode surpreender quem espera uma história de combates e discursos ideológicos. É uma simples história de amor, um triângulo. Uma garota está noiva de um rapaz, mas conhece um membro do exército zapatista e se apaixona por ele. Precisa desfazer o noivado, o que vai contra as tradições. Mas, além disso, para se casar com o zapatista, deve se tornar ela própria membro do exército. Não há combates, mas apenas situações de tensão entre os zapatistas e os federais. "O caso de Chiapas é diferente das guerrilhas, este é um exército que luta para defender as pessoas. As guerrilhas lutaram pelo poder; este luta pela autonomia dos povos indígenas. Queria mostrar, através de uma história de amor, o cotidiano daquela gente. Há agora como uma pausa, uma paz tensa, eles estão construindo a autonomia. O filme reflete isso." Mas, sob a superfície da história de amor, passa um detalhe interessante, o da mudança de tradições arraigadas entre os indígenas. "Na era zapatista a sociedade tornou-se mais dinâmica e os paradigmas mudaram; em outra era esse casamento não seria possível." O mundo se move. É o que diz essa singela história de amor. O repórter viajou a convite da organização

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