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Uma pintura folhetinesca do retratista da vida burguesa

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A pintura maior que ilustra esta página, o tríptico A Fazedora de Anjos, exposto em São Paulo pela primeira vez em 1910, no Liceu de Artes e Ofícios, foi comprado na época pelo governo do Estado por uma pequena fortuna (10 contos de réis). Pode-se especular as razões de um administrador como Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, às voltas com imigrantes japoneses e empenhado em construir ferrovias, dar tanto dinheiro por um tríptico de quatro por dois metros. Quais seriam as preocupações do presidente do Estado (na época não se chamava governador) para desembolsar tanto por uma pintura algo ?kitsch?, em que um Casanova de cartola seduz uma garota num baile, vista depois na casa de uma velha bruxa aborteira para se livrar do bebê que traz na barriga? Sejam quais forem as razões morais ou políticas do pintor Weingärtner, condenando ou não o aborto, o certo é que esse tríptico, que antecipa o recurso do flashback da montagem cinematográfica - o cinema já começava a se tornar popular na Europa em 1908, quando a obra foi pintada -, evoca não só um episódio do Fausto de Goethe (que faz um pacto com o diabo para seduzir a inocente Margarida) como dá o que pensar sobre a filiação artística de Weingärtner como seguidor do realista alemão Wilhelm Leibl. Passando sua vida ao lado de camponeses, Leibl retratou com cumplicidade esse universo, quase tanto como Weingärtner ao tratar da classe média de forma folhetinesca e dirigir um olhar compassivo para a mulher burguesa que vai ao baile e dele sai grávida e abandonada pelo canalha de finos trajes.

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