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Um thriller ético para o nazismo

O diretor brasileiro Vicente Amorim fala sobre o trabalho em Um Homem Bom

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Tudo começou com o envolvimento de Vicente Amorim há quatro anos, mas foi há três, num encontro do diretor brasileiro com o ator Viggo Mortensen, num bar em Los Angeles, que foi plantada a semente definitiva de Um Homem Bom. O filme conta a história de um alemão comum, o bom homem do título, e de como ele vai se envolvendo com o regime nazista, triunfante na Alemanha de Adolf Hitler. Parece um tema estranho para um cineasta brasileiro e mais ainda para Amorim, cujo longa anterior foi O Caminho das Nuvens, com Wagner Moura e Cláudia Abreu. Nada mais distante da história de Um Homem Bom do que a odisséia daquele brasileiro que atravessava boa parte do País pedalando com a família, para realizar o sonho de arranjar um emprego no Rio. Mas foi justamente isso, segundo o diretor, que favoreceu sua escolha para dirigir Um Homem Bom. Veja o trailer do filme "Eles (a produtora Miriam Segall e o ator e co-produtor Jason Isaacs) buscavam alguém que não fosse europeu e que tivesse um enfoque pouco comum sobre a época, longe de idéias preconcebidas sobre a representação do nazismo no cinema." Miriam radicalizou e começou a ver filmes de diretores latino-americanos. "Ela disse que aprendeu tanto sobre o Brasil por meio do meu filme, que conta a história de uma família, que imediatamente pensou em mim para essa outra história doméstica." Foi assim que Amorim se viu à frente de um projeto internacional, falado em inglês e com um elenco que inclui atores do porte de Viggo Mortensen e Jason Isaacs. Um Homem Bom é aquilo que se pode definir, com propriedade, como um filme político. Na verdade, todo filme é político, esclarece Amorim, para quem os filmes que se autodefinem como apolíticos em geral são aqueles em que o fundo político é mais perverso. Ele cita uma frase do co-produtor Isaacs, que a imprensa costuma atribuir a Viggo Mortensen, o ator nascido em Nova York e criado na Argentina, famoso por sua participação na trilogia O Senhor dos Anéis (e, mais recentemente, indicado para o Oscar por sua excepcional criação em Os Senhores do Crime, de David Cronenberg). Isaas, o oponente de Mel Gibson em O Patriota, diz que Um Homem Bom é um thriller ético. É curioso que a pegada de thriller não estivesse no roteiro que John Wrathall adaptou da peça de C.P. Taylor, que se passa na Alemanha, nos anos 30, mas tem a ver com o aqui e agora. Amorim explica que essa foi sua maior contribuição ao roteiro, nos quase quatro anos que teve de esperar para finalmente filmar. "Sentia que faltava alguma coisa para tornar mais urgente a história para o espectador. O suspense ajudou na criação desse clima, mas eu não diria que Um Homem Bom é um thriller, no sentido estrito do gênero. O filme é mais existencialista. Trata de política, mas também é um relato intimista sobre como nossas escolhas nos afetam e às pessoas que nos são próximas." Em outubro, o próprio Viggo Mortensen esteve no Brasil para a exibição do filme no encerramento do Festival do Rio. Em entrevista ao Estado, ele já falara, na época, sobre sua relação pessoal com o nazismo - sua família é da Dinamarca e ele cresceu cercado por pais e irmãos que lembravam todo o horror do nazismo. Com os relatos, vinha um certo preconceito contra a Alemanha e os alemães, que o filme tenta evitar justamente recorrendo ao olhar virgem de um brasileiro. A trama de Um Homem Bom refere-se a este professor universitário que desenvolve uma teoria sobre a eutanásia que é assimilada pelo regime nazista, até mesmo como justificativa para o extermínio em massa de judeus nos campos de concentração. "As implicações morais são muito fortes", destaca Amorim, que enfrentou outro problema, além do tema. "Fazer um filme em inglês e com uma produção deste tamanho foi complicado. O orçamento de Um Homem Bom pode não se comparar ao de muitas megaproduções de Hollywood, mas foi muito maior do que o de O Caminho das Nuvens." Mesmo assim, ele não se sentiu fazendo um documentário etnográfico sobre a Alemanha nazista. "Filmamos em Budapeste, pela dupla facilidade dos benefícios que o governo húngaro oferece a quem produz no país, mas principalmente porque Budapeste se assemelha mais à Berlim da época retratada do que a própria capital alemã, hoje em dia." Amorim destaca que procurou não exagerar na reconstituição, que define como minimalista. "Não queríamos correr o risco de que espectador se distraísse com os detalhes de época. O importante era manter o foco na história." Quando jovem, Viggo Mortensen foi estudar em Londres. A primeira peça a que assistiu foi justamente a de C.P. Taylor. "Foi durante a filmagem que me dei conta que se trata basicamente de uma história sobre amizade e escolhas, dois temas que não apenas não ficam datados como são universais. No limite, creio que foi a universalidade dessa história que me atraiu", informa o diretor, que já tem pronto o roteiro do próximo filme. Desta vez, a produção será brasileira, em parceria com a Sony/Columbia. Vicente Amorim espera filmar em junho sua adaptação do livro Corações Sujos, de Fernando Moraes.

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