Um show numa caixinha de música

Arnaldo Antunes lança seu primeiro trabalho ao vivo e fala do repertório e do clima intimista que procurou para esse registro

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Por Patricia Villalba
Atualização:

Arnaldo Antunes quis saber como era cantar dentro de uma caixinha de música. Como se fosse um personagem de filme expressionista alemão, em preto-e-branco, a voz que ainda não alcançou os graves. Adorou. ''''Nunca tive tanto prazer em cantar como nesse show'''', diz ele. O resultado é o DVD Ao Vivo no Estúdio (Biscoito Fino), também em versão CD, registro do show Qualquer, que havia posto na estrada há um ano. Em resumo, é uma sessão especial do show, para 50 convidados, montada no estúdio Mosh, com direito a cenografia e bordados. Ouça trecho da música inédita Quarto de Dormir No repertório do seu primeiro disco ao vivo, Arnaldo incluiu músicas da época dos Titãs, dos Tribalistas, o trio que forma com Marisa Monte e Carlinhos Brown, e do trabalho-solo - Não Vou Me Adaptar, Velha Infância e a inédita Quarto de Dormir. Como intérprete, faz dueto com Edgar Scandurra em Judiaria, de Lupicínio Rodrigues, e dá ares latinos a Qualquer Coisa, de Caetano Veloso. Na segunda-feira, o músico passou o dia recebendo jornalistas para contar a recente aventura. Ao Estado, falou sobre registros em grave, bandeiras de outros tempos e sobre as várias sonoridades de sua carreira. No texto que acompanha o DVD, você fala que agora canta numa região mais natural da voz, de uma maneira menos gritada. Na época dos Titãs, então, você gritava porque tinha de gritar ou descobriu agora essa maneira de cantar, que parece saborear as palavras? Seja beirando, seja cantando nessa região mais grave, sempre me preocupei em passar ao máximo, na interpretação, aquilo que a canção está dizendo. O gosto pelo trabalho com as palavras na canção sempre me norteou, trabalhar ludicamente o texto é uma coisa que sempre esteve presente, desde a época dos Titãs. O que aconteceu é que eu fui lapidando e encontrando um registro mais confortável na região da minha voz. Acho que essa coisa de um som mais pesado de banda, como era o Titãs, eu tinha de ter um volume de voz com potência para competir com aquele peso sonoro, e escolhia tons mais altos para cantar mais berrado mesmo. E na minha carreira-solo fui podendo experimentar outros tipos de canto. Quando chegou no Qualquer, eu quis focar mesmo nesse tipo de interpretação e recorri a uma formação instrumental propícia, a uma interpretação mais intimista. Daí a idéia de fazer sem bateria e sem percussão. Como chegou à conclusão de que esse formato ''''ao vivo no estúdio'''' seria o melhor? Pois é, é o que eu falei da intimidade da situação. O público sentado no chão, os músicos bem perto de mim. A gente queria uma coisa concentrada, porque a própria sonoridade levava a isso. Não via esse show sendo gravado num lugar grande com não sei quantas mil pessoas. Essa coisa meio caixinha da música é o ambiente mais bacana e condizente para o som que estávamos criando. É seu primeiro disco-solo ao vivo. O que acha do formato? É um formato muito bacana. Já tinha feito com os Titãs, o Go Back. Na carreira-solo é a primeira vez que faço não por falta de desejo, mas porque sempre tive uma quantidade nova de músicas para um novo disco de estúdio e aquilo foi indo. Não tinha parado ainda para fazer um registro ao vivo. Acho um formato bárbaro. Músicas tipo Quarto de Dormir e Pedido de Casamento têm um órgão na base que lembra muito as canções românticas dos anos 70. É uma influência que você reconhece? Acho que sim. As frases e os timbres do Marcelo Jeneci, com quem eu fiz essa música Quarto de Dormir, a única inédita do disco, têm um pouco essa cara. Acho brilhante, ficou muito bem. A grande novidade desse registro em relação ao do Qualquer, que é o disco que originou o show, é a mudança do piano acústico, que foi tocado pelo Daniel Jobim, para os teclados elétricos e a sanfona. A sanfona principalmente é uma novidade com relação ao disco, que marca a cara dessa banda. Ia falar mesmo da sanfona, que é tocada como bandônion, de uma maneira meio Piazzolla. É, principalmente na música Luzes. É muito marcante essa feição mais latina, mais argentina principalmente. Mas em O Silêncio ela é mais quadrilha. Qualquer Coisa também ficou meio latina, meio Ney Matogrosso. Você achou? A gente se preocupou em fazer um arranjo original e diferente do que o Caetano tinha gravado. Achei irresistível gravá-la porque estava lançando um disco chamado Qualquer. Mas a decisão de gravar dependia de encontrar um arranjo original. Acho que ficou bacana, uma leitura mais pessoal de uma música tão conhecida. Você tem um repertório enorme, desde os tempos dos Titãs. Mas mesmo assim, faz um disco com várias músicas de outros compositores. Qual é o barato de gravar a música dos outros? É o barato de cantar e fazer uma releitura criativa das canções. Acho que toda música de outro autor que eu gravo é como se eu trouxesse um olhar novo sobre a canção. Sempre faço isso nos meus discos. São canções que escolho pela paixão por elas e por vislumbrar uma releitura criativa. Adoro cantar músicas dos outros. Tenho vontade de um dia fazer um disco só de intérprete, só com esse tipo de releitura. Você canta Não Vou Me Adaptar, e ela vem leve, sem aquela densidade da época dos Titãs. É como se os tempos fossem outros, e não houvesse mais a necessidade de se posicionar tão duramente contra o sistema. Como é cantar hoje esse tipo de música, que já foi bandeira antes? É a maneira de cantar e o arranjo, ela é cantada com mais leveza hoje em dia. Isso dá outro sentido à música, mas não sei explicar por que ocorre, acho que você explicou melhor do que eu explicaria. É que alguns cantores chegam a riscar músicas fortes de seu repertório mais antigo, porque não se sentem mais à vontade para empunhar certas coisas. E outros preferem reinventar suas bandeiras antigas. A música passa a adquirir novos significados. Acho bacana essa leitura.Não tenho problema com nada que eu fiz. E de vez em quando dá saudade de cantar algumas coisas. Mas, por outro lado, não faria sentido voltar a cantar essas músicas como cantava antes, então é preciso dar uma nova roupagem. Com Não Vou Me Adaptar foi assim, mas se ela ganhou um novo sentido não foi nada consciente, foi mesmo de achar um jeito mais próximo do som que eu faço agora e que fosse condizente com a canção. Diversão e Arte MÚSICA INFANTIL: ''''Tem música que eu fiz mesmo para crianças, tipo Lavar as Mãos, do Castelo Rá-Tim-Bum. E tem coisas que não foram feitas para crianças, mas elas gostam. Saiba, por ter sido gravada pela Adriana Calcanhoto no projeto Partimpim, virou música de criança. Mas eu já tinha gravado sem essa intenção. Algumas letras minhas, apesar de não serem direcionadas para crianças, têm inspiração no olhar infantil. A criança acaba se identificando também.'''' EM P&B: ''''O fato de a gente querer gravar em preto-e-branco tem a ver com o ambiente sonoro que estávamos criando. Os figurinos, do Marcelo Sommer, foram pensados em tons de cinza. Mas para imprimir em preto-e-branco no DVD, usamos um figurino bem colorido.'''' MÚSICAS DOS OUTROS: ''''Neste DVD, tem Judiaria do Lupicínio Rodrigues, fizemos só com a guitarra do Edgar (Scandurra). Tem Acabou Chorare e Qualquer Coisa, que são contemporâneas, eu escutei muito na adolescência. Tem Bandeira Branca e Desafinado, que canto a capela.'''' ELOS TEMÁTICOS: ''''A presença de Qualquer Coisa tem isso, do qualquer, do qualquer coisa, do que se sinta, do que não pode ser que não é.'''' TRIBALISTAS: ''''Não temos nenhum projeto novo. Mas continuamos compondo, temos várias coisas novas.''''

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