Um não ao homem que vegeta

Dicta&Contradicta publica texto sobre a crise das utopias

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Por Francisco Quinteiro Pires
Atualização:

O exemplo atrai mais do que a ideologia. Essa é a constatação de Massimo Borghesi em O Mundo Após A Crise das Utopias, palestra pronunciada no Instituo Internacional de Ciências Sociais, em outubro, e publicada pela Dicta&Contradicta (edição 2, 218 págs., R$ 22,50). Professor de Filosofia da Universidade de Perugia, Borghesi analisa o que resta de dois anos fundamentais - 1968 e 1989. Embora Borghesi fale da necessidade da volta da religião a um mundo como o atual, onde se realiza "o cinismo em massa", suas reflexões sobre o resgate dos símbolos a uma vida esvaziada do seu sentido sagrado se perdem num beco escuro. É sabido que, nas condições vigentes, a vida que se leva é a que vegeta e não a que se afirma. Borghesi diz que os eventos europeus de 68 são reflexo do que ocorria nos anos 60 nos EUA, como a oposição à guerra do Vietnã. Ao suceder o cristianismo, o marxismo originaria a rebeldia - apostava-se na violência contra os poderes instituídos e a solidariedade cristã. A culpa pelo desencanto atual acharia explicação no uso vão da força por quem acreditou na utopia da liberdade, segundo Borghesi. A queda do Muro de Berlim, depois de reveladas as atrocidades do stalinismo, daria musculatura à ideologia do fim da história. Não adianta evocar Jürgen Habermas, como fez Borghesi, para dizer que "o pensamento laico democrático" deve considerar "a dimensão religiosa" para reconstituir a solidariedade perdida, elemento fundamental ao exercício da democracia. "O cristianismo corresponde às exigências do tempo sem, no entanto, conformar-se a ele." Será? No fim do século 19, Friedrich Nietzsche afirmava que o homem é capaz de ser dono de si mesmo. O desejo de estabilidade teria uma face anti-humana. Não era mais preciso algo maior como Deus. O valor simbólico precisa, de fato, ser recuperado. Mas não para manter engessados os valores de uma civilização burguesa e cristã que tenta inutilmente conter as contradições humanas. O exemplo pertence ao futuro criado pelo homem que se liberta.

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