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Um longo caminho até Bobby

Diretor Emilio Estevez conta a odisséia que foi escrever e realizar seu filme

Por Emilio Estevez
Atualização:

No primeiro semestre de 2000, passei por momentos difíceis - pessoal e profissionalmente. Eu estava tentando encontrar um objetivo na vida, tentando redefinir minha carreira e minha vida como ator. Comecei a me perguntar se a fantasia de me tornar um desses ''''seres múltiplos de Hollywood'''' - ator/roteirista/diretor - não seria apenas uma fantasia. Explicar os meandros de como e quando cheguei ao ponto onde estou hoje requer muito espaço. Levei duas rasteiras profissionais com Lembranças Vivas e Censura Máxima, e cheguei até a considerar a possibilidade de partir para uma nova carreira. Como sou um alarmista, vendi minha casa e fui me desfazendo de todos os meus bens, a começar por fechar a conta do fundo de previdência. Tudo isso fazia parte de um esforço para manter os ''''fantasmas'''' do lado de fora da porta. Bobby Kennedy sempre foi um herói para mim. Sabia quem ele era e o que defendera ao longo de quase toda a vida. Trocamos um aperto de mãos em 1967, em Nova York, quando acompanhei meu pai em uma campanha pela candidatura do senador Kennedy. Eu tinha 6 anos quando Bobby Kennedy foi assassinado. Percebi que tudo havia mudado. Por vários motivos, a morte de Bobby foi o terceiro - e último - golpe. Depois da morte do irmão John, em 1963, e do assassinato de Martin Luther King, em abril de 1968, muita gente acreditava que Bobby era o líder capaz de resolver os problemas do país. O Vietnã, a violência racial e os conflitos sociais haviam partido a nação ao meio, e assustado os americanos. A morte de Bobby aconteceu em um momento crítico da história dos Estados Unidos, e até hoje ele continua sendo um dos ''''e se?'''' mais importantes do cenário político americano. A morte de Bobby foi a morte da dignidade e da esperança, da civilidade, da poesia e da luz no país. Basta observar a ''''involução'''' que nosso espírito de humanidade atravessou nos últimos 35 anos. Bobby disse: ''''Somos um país generoso e abnegado.'''' Acredito nisso. Por isso comecei a escrever esse roteiro. HOTEL AMBASSADOR Em 1969, ano seguinte ao do assassinato de Bobby, minha família se mudou para o México, onde meu pai foi rodar o filme Ardil 22, dirigido por Mike Nichols. Depois disso, nosso plano era ir morar em Los Angeles. Pegamos um trem até a cidade de Nogales, na fronteira, em seguida alugamos um carro e partimos em direção a Hollywood. Nossa primeira parada foi no hotel Ambassador. Ao ver o edifício onde o assassinato ocorrera, fui contaminado pela curiosidade do meu pai. Lembro-me de caminhar pelos salões, de meu pai explicando o significado daquele lugar e contando como, um ano antes, ''''a música havia silenciado'''' ali. Passados 31 anos da visita com meu pai, uma sessão de fotos me fez voltar ao Ambassador. No primeiro semestre de 2000, meu irmão Charlie e eu fomos para o hotel para sessão de fotos de reportagem sobre Censura Máxima. Entre uma foto e outra, fiz um tour pelo hotel que incluía a cozinha e a despensa ''''sagrada'''' - local onde Bobby foi atingido pelos disparos, após fazer o discurso que celebrou sua vitória nas eleições primárias da Califórnia. O espaço da despensa era exíguo. Ray Ramos, que trabalhou no hotel, comentou que 77 pessoas estavam lá no dia do assassinato. Eu sabia quem eram os famosos presentes: Rosie Greer, Rafer Johnson, George Plimpton e, é claro, Sirhan Bishara Sirhan. Mas quem eram as pessoas comuns que testemunharam aquele acontecimento histórico? O motor começou a funcionar. Minha pesquisa teve início na biblioteca pública de Los Angeles. Comecei a escrever. Logo cheguei à página 30. E aí empaquei. Um bloqueio criativo surgiu diante de mim. A retomada? Levou mais de um ano para acontecer. Na verdade, o problema todo foi uma seqüência de acontecimentos, espirituais, emocionais e pessoais que eu não podia prever ou controlar. O primeiro partiu do meu irmão, Charlie. Ele me perguntou sobre a evolução do Projeto Bobby Kennedy. Mostrei a ele as 30 páginas. Ele leu tudo e me aconselhou: ''''Isso aqui é especial. Você precisa levar essa história até o fim. Mas você não vai conseguir fazer isso se não mudar de ares, se não sair daqui para criar.'''' Segui a orientação e fui para o litoral da Califórnia. Parei em Pismo Beach, onde encontrei um velho hotel de beira de estrada. Foi lá que topei com um novo acontecimento, talvez o mais fundamental de todos: uma funcionária que trabalhava na recepção, Diane. Ela me reconheceu e perguntou o que eu fazia ali. Falei sobre o roteiro. Diane arregalou os olhos e disse: ''''Eu estava lá.'''' Quase caí para trás. Entrevistei Diane três vezes. Ela foi voluntária na campanha de Kennedy e, naquele dia, estava no hotel para comemorar a vitória. Ela ouviu os tiros. ''''Foi como se tivessem puxado o tapete da minha geração.'''' A metáfora de um país inteiro em queda livre emocional era o que eu precisava para dar um empurrão à minha nova investida literária. A história se transformou numa intrincada costura de personagens e numa reverência a um dos cineastas que mais admiro, Robert Altman. Um filme em especial serviu como inspiração: Nashville. Os políticos ficariam em segundo plano, à sombra das vozes dos 22 personagens, e Bobby Kennedy seria visto apenas em imagens de época. É uma abordagem pouco usual, mas como eu estava escrevendo por minha conta e risco, e não por encomenda, tinha de agradar somente a mim mesmo. Terminei o roteiro meses mais tarde. O bloqueio desapareceu. Mas aí surgiu uma imensa interferência, uma interferência de proporções gigantescas: o 11 de Setembro. Eu havia escrito uma história sobre pessoas comuns que se vêem no epicentro de um dos momentos mais importantes do século 20. A violência aleatória, a idéia de que uma bala não tem discernimento, a certeza de que somos todos vulneráveis. Edith Hamilton, uma das poetas preferidas de Bobby Kennedy, escreveu: ''''O homem não foi feito para portos seguros.'''' Nos dias e meses que se seguiram, foi difícil pensar em palavras mais verdadeiras do que essas. A idéia de embarcar em uma empreitada, fosse para fazer um filme ou qualquer outra coisa, parecia insensível demais para ser compreendida. Nossos governantes nos incentivavam a tocar a vida adiante. Ainda assim, fazer um filme não me parecia um item que merecia estar no topo da lista de prioridades nas iniciativas para reerguer a moral americana. Durante as grandes crises nacionais, Hollywood sempre foi elogiada por sua capacidade de oferecer o entretenimento necessário para fazer a população se distrair e esquecer as feridas. Mas, no rescaldo na tragédia, apenas comédias seriam receitadas como remédio. O projeto de fazer Bobby não encontrou eco em lugar nenhum. Esse silêncio preencheu os próximos quatro anos da minha vida. Coragem e ousadia não são marcas típicas da maioria dos executivos de Hollywood. Não é ironia, portanto, o fato de o financiamento para Bobby ter saído de um magnata russo do setor de petróleo, Michel Litvak. Ele ficou surpreso com uma história que, de acordo com ele, não se restringia apenas à experiência americana. E começou a assinar os cheques. MISTÉRIO E MILAGRE Passamos então a reunir o elenco. Anthony Hopkins foi o primeiro a responder sim, diante do convite para interpretar o porteiro aposentado John Casey. A seguir veio Demi Moore. O restante do elenco parece ter aparecido quase por acaso. Conversei com Helen Hunt numa noite de quinta e na noite de sexta ela entrou no set. Na maior parte das filmagens, as coisas aconteceram assim. Como não tínhamos muito dinheiro (o orçamento inicial era de US$ 5,5 milhões), fomos obrigados a ser criativos. Até hoje, o fato de termos reunido este imenso elenco é um mistério e um milagre: Sharon Stone, William H. Macy, Lindsay Lohan, Ashton Kutcher, Laurence Fishburbe, Heather Graham, Shia LaBoeuf, Joy Bryant, Harry Belafonte, Freddy Rodriguez, Elijah Wood, Christian Slater e meu pai, Martin Sheen. A produção de Bobby acabou se transformando numa campanha. Elenco e equipe técnica cobraram cachês abaixo do padrão - e houve até quem trabalhasse de graça. Todos queriam fazer parte de um projeto que parecia ser algo maior do que um filme. Serei eternamente grato pela contribuição que deram. E agora aqui estou, filme terminado. Talvez Bobby Kennedy e a mensagem que ele transmitiu sejam tão importantes hoje quanto foram há 35 anos. Meu filme é uma homenagem a essa mensagem. Bobby emocionou, inspirou e estimulou uma geração de americanos a ser pessoas melhores, a fazer coisas melhores. Espero que o filme incentive uma redescoberta da nossa humanidade e que tomemos a decisão de ser pessoas melhores.

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