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Um livro para as quatro décadas de Woodstock

Com uma centena de entrevistas, Pete Fornatale recria os três dias do encontro que se tornou marco

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Por Ubiratan Brasil
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A cantora folk Melanie jamais tinha viajado de helicóptero e estava maravilhada com o passeio aéreo naquele final de tarde de sexta-feira, 15 de agosto de 1969. "O que é aquilo lá embaixo", perguntou ela, de repente. E o piloto respondeu: "É gente." Melanie ficou apavorada, assim como boa parte dos mais de 20 artistas que se apresentaram, durante três dias, ali, naquela fazenda de 240 hectares em Bethel, Estado de Nova York. Afinal, cerca de 400 mil pessoas atenderam ao chamado para a Feira de Arte e Música de Woodstock. Um festival que se transformou no marco principal da grande revolução jovem da época, levantando uma onda de mudança musical, política e social. "Esse lendário encontro de tribos colocou Woodstock no centro e na vanguarda da consciência de cidadãos do mundo todo", afirma Pete Fornatale, redator, narrador e consultor de diversos programas de rádio e TV, referência nas emissoras nova-iorquinas nas últimas décadas, e autor de Woodstock (tradução de Jamari França, 318 páginas, R$ 49,90), livro que a editora Agir lança neste fim de semana já iniciando as homenagens aos 40 anos de Woodstock. Trata-se de um verdadeiro passe livre para os bastidores de um evento político e libertário, que incentivou a discussão sobre os direitos civis nos Estados Unidos, além de reforçar o protesto contra a Guerra do Vietnã e a segregação racial. Fornatale entrevistou mais de cem pessoas, entre artistas, espectadores, idealizadores, voluntários, jornalistas. Recuperou também depoimentos de grandes nomes da música como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Joan Baez, o então desconhecido guitarrista Carlos Santana, The Who, entre outros, que passaram por aquele palco. Mais: conseguiu traçar um paralelo entre a situação mundial do momento e a importância de Woodstock naquele contexto. Como um roteiro de documentário, em que a narrativa é entrecruzada com depoimentos, o livro é dividido em três partes, uma para cada dia do festival. E, dentro delas, cada capítulo corresponde aos 32 shows ocorridos nos três dias do evento. Organizado para dar lucro, o festival foi uma sucessão de surpresas. Primeiro de público - a previsão mais otimista esperava 75 mil espectadores, mas, quando todas as vias de acesso começaram a ficar completamente congestionadas, os organizadores perceberam que um evento de dimensões monstruosas estava para acontecer. "Pedimos aos patrulheiros rodoviários para pôr em prática nosso plano de trânsito, mas nada aconteceu e perdemos o controle das estradas", lembra-se Stan Goldstein, coordenador de várias áreas do festival. "Não tínhamos autoridade para inverter mãos e bloquear acessos." Mesmo assim, a multidão se acomodava pacificamente. Não houve violência nem um número significativo de pessoas acidentadas para uma população daquele tamanho. Mesmo assim, três pessoas morreram (uma de overdose), duas nasceram e, fato raro, até a polícia chegou a ser elogiada. "Foi essencialmente um fenômeno de inocência, apesar da venda aberta de drogas e de ser possível ?ficar doidão só respirando sentado?, como um estudante admitiu alegremente", noticiou o New York Times. A preocupação dos organizadores estava mesmo na realização dos shows - a banda Sweetwater, programada para abrir o festival às 16 horas da sexta-feira, estava presa em um engarrafamento monumental. E o público, mesmo anestesiado pelo clima de paz e amor, ensaiava murmúrios de insatisfação. Assim, seria mais fácil colocar um artista-solo no palco que uma banda de rock com toda parafernália. Pensaram em Tim Hardin, mas ele se trancou no camarim, recusando efusivamente. Sobrou para Richie Havens, figura de referência da música folk e quinto da fila de shows. Ele chegou a resistir ("Eu não queria ser trucidado por um bilhão de pessoas"), mas cedeu às súplicas do produtor executivo Michael Lang. Havens subiu ao palco às 17h07 e não decepcionou, cumprindo a tarefa de forma magnífica. "Sua postura de paz e amor e sua linguagem meio infantil deram o tom para todo o fim de semana hippie chique", comenta Fornatale. Seguiu-se uma fila de artistas, que cantaram até a manhã de segunda-feira, quando Jimi Hendrix, diante de 30 mil heroicos resistentes, entrou para a história ao dedilhar na guitarra sua versão para o hino americano, The Star-Spangled Banner, até hoje um dos eventos mais comentados de Woodstock. Fila formada por um então desconhecido Carlos Santana, cujo álbum de estreia seria lançado uma semana depois, mas cuja performance, sobretudo em Soul Sacrifice, o projetou como estrela internacional. E ainda por Janis Joplin, cujos gritos primais (que eram sua marca pessoal) em Try ainda ecoam. Até hoje, as 65 horas que duraram o festival incentivam estudos antropológicos e sociológicos. "Foi uma confirmação de que esta geração tem, e compreende que tem, sua própria identidade", escreveu a antropóloga Margaret Mead. "Não é a resposta para tudo, nem o esboço de uma nova sociedade, mas é uma valiosa placa sinalizadora", completou o psicoterapeuta Rollo May. Mas o veredicto mais preciso, talvez, tenha sido dado pelo New York Times, em 19 de agosto: "Eles foram, ao que parece, para desfrutar sua própria sociedade, livres para exultar no estilo de vida que é sua própria declaração de independência."

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