Um emocionante voo sobre as águas

O livro Fôlego e o filme Surf Adventures 2 valorizam o desafio oferecido pelo oceano, que sempre coloca o equilíbrio em jogo

PUBLICIDADE

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Pikelet é um garoto australiano que se torna homem sobre uma prancha de surfe. Ele é protagonista do livro Fôlego, do australiano Tim Winton, lançado pela Argumento (tradução de Juliana Lemos, 256 págs., R$ 32). Na verdade, um típico romance de formação, uma vez que Pikelet e seu amigo Loonie aprendem, com o voo sobre as águas, a importância de saber o que fazer quando se perde o equilíbrio. Um aprendizado para toda a vida. O surfe também inspira o documentário Surf Adventures 2, em cartaz na cidade, em que um grupo de jovens busca a onda perfeita. Desejo comentado por Winton, na seguinte entrevista. Por que grande parte do drama de Fôlego vem da relação entre o crescimento dos garotos e a intimidade com o mar? Bem, acredito que o mar é a única fonte de diversão disponível para esses garotos. A cidade deles é pequena, enfadonha, chata e eles precisam de algo incentivador. No início, é uma questão de curiosidade até se tornar uma compulsão, quem sabe um vício. Até certo ponto, eles fabricam o próprio drama e, finalmente, descobrem-se à mercê de seus impulsos, seu espírito de competitividade, seu jovem senso de imortalidade e sua necessidade de saber até que ponto eles podem incentivar a si mesmos. Pode-se dizer que o drama do mar é maior, mas talvez a fonte deste drama seja mais humana que oceânica. Acima de tudo, não há nenhuma necessidade de eles colocarem a própria vida em risco. Os garotos começam a gostar do medo. Loonie parece responder aos desafios como se fosse genética e mentalmente conectado a esse tipo de atividade, ao passo que Pikelet tem mais de uma resposta espiritual e estética ao mar e ao mundo natural de acordo com os próprios termos. Acredito ser ele quem tem essa intimidade mencionada por você. Por que a relação dos personagens com a paisagem parece ser o centro de seu trabalho? Boa pergunta. Eu me sinto confuso sobre esse assunto há quase 30 anos! Acho que tem relação com o fato de eu ter nascido na Austrália Ocidental, onde há uma enorme extensão de terra e muito pouca gente. Quando eu era garoto, esse pedaço ocidental do continente tinha uma população com menos de um milhão de pessoas. Ou seja, há infinitamente mais paisagem que cultura humana. Essa imensidão pressiona os homens como não acontece na Europa ou América do Norte. Talvez algum brasileiro considere essa ideia mais familiar que um morador de Nova York ou Londres. A maioria dos australianos vive em ambientes urbanos no litoral, mas me parece que a paisagem se impôs na psique dos australianos. A moderna Austrália tem apenas dois séculos de idade e até recentemente havia ainda uma ansiedade sobre o fato de pertencer, sobre sentir-se estranho na nova paisagem. Vivemos na maior ilha do mundo. Há pouca água potável, grande parte do continente é desértica ou semiárida. Mesmo nas áreas prósperas - e a Austrália tornou-se rica -, existe uma fragilidade abaixo da superfície, porque a natureza é maior que nós e não pode ser controlada ou prevista, apesar da nossa confiança tecnológica, que se tornou uma espécie de arrogância, na verdade. É por isso que sinto a paisagem como um personagem em minhas histórias. Se meus livros fossem pinturas, seriam rotulados como de paisagem, pois os temas versam sobre os valores da paisagem. O que você acha da comparação entre sua obra e O Velho e o Mar, de Hemingway? Bem, tomo como um cumprimento. É pena que a macheza de Hemingway tenha dominado a forma de se analisar seu trabalho. Ele fazia um tipo que não me agradava muito, mas, em seus melhores momentos, Hemingway era capaz de escrever uma frase que seria lembrada ao longo dos anos. A ficção tornou-se algo um tanto abstrato e distante das pessoas comuns e ele conseguia se dirigir a esse público. O Velho e o Mar é um livro adorável. Sua comparação talvez seja motivada pela obsessão do velho pescador, seu desafio de enfrentar riscos. Nunca fiz uma conexão de Fôlego com esse livro, mas fico feliz que você o tenha feito.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.