Um beijo encerra trilogia de improviso e suspense

Aos 13 anos, Cia. Nova avança nas propostas investigativas

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Por Redação
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A dança contemporânea já tem os seus contadores de histórias. É a Cia. Nova Dança 4 que, na sua mais recente produção, O Beijo, em cartaz no Sesc Avenida Paulista até domingo, avança ainda mais no propósito que a tem guiado nos seus 13 anos de vida. Associados desde sempre em torno da improvisação como técnica, também foram, ao longo desse tempo, testando dramaturgias de composição. Talvez esteja aí a sua questão principal, especialmente porque hoje se declaram caracterizados pelo interesse em investigar modos de ligar dança/teatro/música/palavra e performance. Uma ambição e tanto, especialmente porque cada uma das linguagens citadas tem uma dramaturgia própria. Embora possa parecer, sobretudo aos que não os conhecem, uma tarefa fadada ao malogro, vale destacar que cada nova produção os aproxima um pouco mais desse objetivo. O Beijo faz parte de uma trilogia iniciada com Influência - Primeiros Estudos, estreada no ano passado. Dela carrega a afeição pelo suspense, uma vez que Influência - Primeiros Estudos inspirava-se em Hitchcock. O suspense escorre para os excelentes figurinos criados pelo elenco, por Karinna Vasconcelos e Francisco Macchione. E para a impecável trilha sonora de Claudio Faria e Natalia Mallo. Mas carrega também um traço que traz frescor ao processo em curso, e que merece ser destacado: a imagem deslocou-se da cena teatral para tornar-se cinematográfica dentro da cena teatral. Isso se dá não apenas porque a trilha nos sugere tal ambientação. Em O Beijo há agora uma clara fricção entre as duas situações - a do corpo no espaço cênico e a do corpo transformado em imagem cinematográfica, porque é justamente o corpo ali, na nossa frente, que faz zooms e closes com a sua dança, que atua em planos americanos, que propõe loopings de continuidade. Evidentemente, isso só se torna possível porque Marisa Bentivegna consegue fazer com que a luz crie uma espacialidade de planos temporais que até parece tornar visíveis os planos musicais que também se manifestam criando as suas ambiências. Tudo concorre a favor. Os sete membros do elenco, cada qual à sua maneira, também avançaram na construção do seu modo de contar uma história. As movimentações de Alex Ratton, Cristiano Karnas, Diogo Granato, Erika Moura, Gisele Calazans, Lívia Seixas e Tica Lemos ganharam mais clareza e acabamento, indicando ser esta uma necessidade da qual não descuidar. O que ainda não se ajustou parece ser o entendimento de personagem, que permanece atado à dramaturgia do teatro. Ênfases em olhares, dramatização de gestos - há ainda que se livrar dessas ciladas para que a dramaturgia de dança possa aparecer. De fato, há uma diferença enorme entre "dança teatralizada" e "teatro dançado", muito mais complexa do que a simples inversão dos termos pode sugerir. Essa diferença mora nos entendimentos de dramaturgia de cada qual. Conduzindo tudo está a sensibilidade de Cristiane Paoli Quito, com assistência de direção de Maurício Paoli Vieira. Sua tarefa é dura, pois a proposição de acomodar improvisação e dramaturgia pede dedicação exclusiva. O que se vê agora na Cia. Nova Dança 4 anima quem vem acompanhando o seu percurso. O Beijo oferece-se ao público sendo mais que uma produção importante e bem realizada. Tem o mérito de atestar a capacidade dos artistas envolvidos em levar adiante, ano após ano, obra após obra, o que se pode chamar, aqui sim, com propriedade, de um processo de pesquisa. A terminologia está banalizada pelo uso indevido mas, felizmente, Quito e seu elenco restabelecem exemplarmente o sentido no qual deve ser empregado. Não somente desassociam pesquisa de algo necessariamente incompreensível, como também deixam muito claro que pesquisa pede tempo para realizar as suas conquistas. Serviço O Beijo. 75 min. 14 anos. Sesc Avenida Paulista (40 lug.). Avenida Paulista, 119, 3179-3700, metrô Brigadeiro. 6.ª a dom., 19 h. R$ 5 a R$ 20. Até 14/6

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