Um barco à deriva serve como metáfora da América Latina

Orinoco narra em clima de suspense o trajeto de duas atrizes em situação de risco, que perdem o controle dos acontecimentos

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Por Beth Néspoli
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Duas atrizes viajam num barco pelo Rio Orinoco, que separa a Venezuela da Colômbia, rumo ao local onde vão fazer seu próximo espetáculo. Subitamente, descobrem que a embarcação foi abandonada e está à deriva. Sobre essa situação, entre absurda e onírica, o dramaturgo mexicano Emilio Carballido(1925- 2008) constrói a trama da peça Orinoco, já encenada no Brasil com Iara Jamra e Cristina Mutarelli, sob direção de Lígia Cortez. A partir de amanhã, uma nova montagem entra em cartaz no Teatro João Caetano, desta vez dirigida por Dagoberto Feliz, com Bete Dorgam e Daniela Carmona como intérpretes de Mina e Fifi. Claro que se trata de uma metáfora. "Sim, esse barco à deriva pode ser a América Latina, ou o Brasil, ou qualquer outro país sul-americano. Mas nós tomamos o texto sobretudo para falar do teatro, do jogo das atrizes, essa dupla que ensaia, prepara o seu número, mesmo sem saber se haverá alguém ou algum lugar para apresentá-lo." O atrito entre o destino inexorável e a resistente esperança se repete, e ecoa, em escala mais intimista, na personalidade das atrizes. Mina (Bete), a mais velha, carrega o ceticismo e a dor dos que já viveram decepções. Mina (Daniela), mais jovem, ainda cultiva seus sonhos. Orinoco já foi adaptado para a série Direções, da TV Cultura, com o sugestivo título Fellini sobre as Águas. Há mesmo nessas duas atrizes algo da atmosfera de dolorida alegria dos artistas populares flagrados pela sensibilidade do cineasta italiano. "Nesse espetáculo não há adaptação, o texto está lá, exatamente como foi escrito", diz Dagoberto. O espectador é retido pelo clima de suspense, tanto na descoberta de um homem assassinado a bordo, quanto no destino final de ambas, pois só uma delas sabe exatamente quem as contratou e onde será a apresentação, e revela esse segredo aos poucos. E comove, claro, a história tragicômica dessas duas artistas de talento duvidoso, e cujas vidas desce ladeira, ou rio, abaixo. "O projeto de criação dessa montagem é da Daniela Carmona e era para ter saído há dois anos. Foram tantos atropelos que sua história daria um espetáculo semelhante a esse", brinca Dagoberto. A ideia é tentar "deixar vazar" nas entrelinhas da encenação a mistura entre a vida das atrizes ?reais? e das personagens. "Daí a cenografia, de Flavio Tolezani, buscar ser a um só tempo barco, camarim e sala de casa", diz Dagoberto. Será que uma peça com essa temática pode interessar a um público mais amplo? "Eu acho que é uma história sobre correr riscos e trata daquelas situações de vida nas quais a gente perde o controle dos acontecimentos. E isso muitos já viveram." Serviço Orinoco. 90 min. 14 anos. Teatro João Caetano (438 lug.). Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clemen-tino, telefone 5573-3774. 6.ª e sáb., 21 h; dom., 19 h. R$ 15 (grátis de 5 a 7). Até 26/7

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