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Ugo di Pace mostra obras raras de sua coleção

Entre as pinturas está uma natureza-morta de Abraham Brueghel que pertenceu a Mário Wallace Simonsen

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A exposição Resgate de Dois Mestres, com telas de dois pintores da mesma geração, Paulo Rossi Osir (1890-1959) e Vittorio Gobbis (1894-1968), deveria ter sido aberta em setembro do ano passado, no Studio 689, do designer Ugo di Pace, mas a pandemia piorou e ninguém viu presencialmente a exposição, que tem como curadora Denise Mattar. Agora, com a flexibilização, a mostra ganha dimensão ainda maior ao ser incorporada à exposição Fragmentos, que o mesmo Studio 689 abre no próximo dia 18. Ela vai ocupar o piso superior da galeria, enquanto o piso térreo continua com a retrospectiva de Osir e Gobbis, elogiados em vida por críticos como Mário de Andrade (1893-1945) e Sérgio Milliet (1898-1966).

Ugo di Pace, criadordo Studio689, que mostra de barrocos italianos a modernos Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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O italiano Ugo di Pace, aos 94 anos, mais de 70 anos de Brasil, foi muito amigo de Gobbis e defende que sua pintura deve muito aos velhos mestres, incluindo na observação também a obra de Osir. A influência do Novecento italiano sobre os dois é notável, mas é ainda possível atestar o estreito vínculo que liga igualmente a dupla à tradição da pintura antiga italiana ao se comparar as obras dos dois andares do Studio 689.

Não há só pinturas na exposição. Há desde fragmentos de estátuas romanas do século 2 da coleção de Ugo di Pace (com mais de 900 peças) a uma colossal natureza-morta pintada por Abraham Brueghel (1631- 1697), pintor flamengo que marcou definitivamente a pintura italiana e é considerado o estrangeiro de maior sucesso na Itália do século 17. Brueghel, filho de Jan Brueghel, o jovem, é o centro da exposição dos velhos mestres no Studio 689. Ugo di Pace conta que comprou a pintura do empresário santista Mário Wallace Simonsen (1909-1965), que chegou a ter 30 empresas, entre elas a Panair do Brasil, antes de cair em desgraça com a ditadura militar ao criticar o regime em sua TV Excelsior e ser decretada sua falência – ele morreu um mês depois de uma ideológica campanha de difamação.

A tela'Grande Natureza-Morta' de Abraham Brueghel noStudio 689 Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Muitas das peças da exposição pertenceram ao homem que fundou e comprou parte do acervo do Masp, seu ex-diretor Pietro Maria Bardi (1900-1999), que chegou ao Brasil na mesma época do napolitano Di Pace, por volta de 1946. Os dois foram sócios numa galeria e grandes amigos, a ponto de Bardi emprestar obras do Masp para serem expostas na vitrine do Gallery, clube privê com sócios da elite paulistana do qual Di Pace foi um dos donos. “Uma relíquia do século 15 que está na exposição, a têmpera sobre madeira que representa a crucificação de Cristo, pertenceu à coleção do Bardi e foi exposta no Masp”, revela.

Do mesmo século é a Madona com o Menino Jesus, peça policromada e atribuída ao escultor florentino Benedetto di Leonardo, dito Benedetto Maiano (1442-1497). Ugo di Pace conta que a imagem, atestada num laudo da Oxford Authentication, foi comprada num leilão da Christie’s, em Nova York, em 2002. Outra preciosidade da exposição é o tríptico representando a Natividade de Jesus e a Sagrada Família, de um artista italiano do século 16, pintura sobre madeira que, a despeito das pequenas dimensões (o painel central tem o tamanho de uma régua), é uma obra-prima de inspiração bizantina.

“Escolhi meia centena de peças da coleção pela diversidade das obras, variando de naturezas-mortas, como as de Brueghel e Mario Nuzzi (dito Mario dei Fiori), que tanto marcaram a pintura de Gobbis e Osir, até grandiosas cenas de batalha como a de Jacques Courtois (também conhecido como Giacomo Borgognone)”, explica Di Pace. A grande tela de Courtois (76 x 158 cm) retrata uma batalha que tem como protagonista a infantaria espanhola (Courtois serviu por três anos no exército francês).

Outro pintor francês da coleção do designer, que está na mostra, é o barroco Claude Vignon (1593-1670). Trata-se de um ‘tondo’ com mais de um metro de diâmetro, óleo sobre tela com forte influência do ‘chiaroscuro’ de Caravaggio, representando uma santa mártir. A pintura veio do mercado de arte italiano – Vignon passou uma temporada em Roma e foi premiado num concurso organizado pelo cardeal Ludovico Luisi.

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Mas as meninas dos olhos de Ugo di Pace são dois anjos rococó esculpidos por Giacomo Serpotta (1652-1732) em madeira. A elegância dessas majestosas figuras em tamanho natural (176 cm) deve algo à maestria de Antonio Raggi (e ao estilo de Bernini, segundo alguns críticos). Todas essas obras, evidentemente, enriqueceriam os acervos de museus brasileiros (as de Serpotta, ele comprou de Pietro Bardi). Todas elas estarão à venda, segundo Ugo di Pace, que diz ser esta sua última exposição. Só Deus sabe. O irmão dele, Vittorio, que vivia em Nápoles, morreu aos 106 anos. É uma família de gente longeva.

Os dois anjos da obra 'Fraternidade', do escultorJacomo Serpotta Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO
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