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‘Turner Tardio’ revive o artista na Tate, em Londres, e no cinema

Mostra em Londres e filme de Mike Leigh lançam luzes sobre a fase final de um dos inventores da arte moderna

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Será o pintor inglês J.M.W. Turner o pai da arte moderna? Muitos críticos sustentam que sim e até estabelecem paralelismos com Wagner. Um na pintura, outro na ópera, foram artistas que trabalharam com o mito em grande escala. Conta-se até que outros grandes artistas, como Monet e Matisse, adoravam desvendar os mistérios da cor em Turner com a mesma paixão com que escutavam os acordes de Wagner ao pintar as próprias obras. Pode ser que tudo isso seja lenda, mas Londres está em festa com a Turner exhibition, na Tate Britain. A exposição apresenta o ‘late Turner’ - o Turner tardio -, a fase final do artista, quase a mesma que Mike Leigh retrata em seu filme premiado em Cannes no ano passado (leia abaixo).

Turner na Tate, Rembrandt na National Gallery. É uma experiência singular passar-se do chiaroscuro carregado do segundo para a luminosidade do primeiro, mas é o que visitante pode fazer na capital britânica. A mostra de Turner vai até dia 25. A de Rembrandt encerra-se uma semana antes, em 19 de janeiro. Há um consenso, mas ele é certamente reducionista, que apresenta J.M.W. Turner - as iniciais são de Joseph Mallory William - como um homem do Romantismo que nutriu sua pintura de temas históricos e mitológicos. De alguma forma, esse Turner seria um artista anacrônico, mas isso em absoluto corresponde à realidade. Houve vários Turner e, nos últimos anos, uma série de exposições retraçou a trajetória do artista, desde o jovem estudante que emulava os mestres até o paisagista marítimo.

A luminosidade é grande tema do pintor, como emAncient Rome(1839) Foto: Reprodução

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A exposição da Tate tem o sugestivo título de Late Turner - Painting Set Free, que se pode traduzir como Turner Tardio - Pintando com Liberdade. Esse Turner final que subvertia as próprias regras é o arauto da pintura moderna. Não basta dizer que ele antecipou os impressionistas. Um especialista de Turner, Jonathan Jones, diz que a afirmação não carece de sentido, mas é inapropriada. Pois assim como se pode ver um tanto de Monet nas aquarelas de Turner existem elementos surreais mesmo em suas maiores telas - árvores que se agitam no céu como medusas - e eles antecipam Salvador Dalí e Max Ernst. O grande recorte da curadoria é que, mesmo se concentrando no Turner final, termina por traçar um grande panorama do experimentalismo do pintor.

Pois o Turner final foi um experimentador - de cores, técnicas. Em 1837, ele refez Regulus, quadro de 1828, trabalhando a luz com mais intensidade. Em 1834/35, transformou uma tragédia nacional - o incêndio que consumiu as casas do parlamento inglês - num portentoso estudo de cor. Ouro e bronze varam a noite londrina e as chamas, como as medusas das árvores, adquirem contornos de surrealismo - alguma coisa extremada dos céus de Van Gogh, talvez. Difícil, passeando o olhar por todos esses quadros - e eles são quase todos grandes -, é tentar estabelecer um primado, como se fosse possível buscar ‘um’ Turner, o real. Qual seria?

Turner é tão romântico que, ao levar ao limite o que seriam postulados do movimento, promove uma ruptura. Ele se torna modernista e até abstrato, e por isso mesmo Jonathan Jones sustenta que um modernista como o norte-americano Cy Twombly, morto em 2011, pode recriar cenas clássicas de Turner como grafite. A grande questão da modernidade do artista passa por sua preferência em pintar tempestades e entardeceres. Teria sido Turner um pré-ambientalista? Pois o que ele retrata, segundo alguns admiradores e outros tantos detratores, são sintomas de uma revanche da natureza. Uma das obras-primas da exposição, o quadro que talvez mais exija atenção, é Burial at Sea, de 1842, quando Turner já tinha 67 anos.

Ele nasceu em 1775, morreu em 1851. O funeral no mar sugere uma alma tão atormentada que foram feitos estudos com psiquiatras para tentar definir se esse Turner final não estaria louco. Ele certamente se tornou um misantropo, ou é assim que o retrata Mike Leigh, na interpretação de Timothy Spall. O importante é que não é, em absoluto, o artista que, já em seu tempo, suscitava paixões e muitos consideravam esgotado. Críticos que ninguém nem mais lembra o nome já deploraram o olho cansado e a mão trêmula do Turner final. Não é nada disso e o Turner tardio ressurge na Tate Britain maior que nunca.Timothy Spall foi melhor ator em Cannes pelo papelMike Leigh saiu vitorioso do Festival de Cannes, em maio passado. Mr. Turner pode ter tido críticas divididas, mas Timothy Spall recebeu o prêmio de melhor ator, atribuído por unanimidade, revelou a presidente do júri, a cineasta Jane Campion.

Spall fez um discurso emocionado, dizendo que há alguns anos foi diagnosticado com câncer e duvidava que seguiria vivendo, muito menos que ainda tivesse energia para interpretar um personagem intenso como o pintor J.M.W. Turner. O filme retrata o terço final da vida do pintor, sua relação com o pai e as polêmicas com colegas da Academia e os críticos. Turner amava a luz. Sua última frase, que o filme reproduz, é: “O sol é deus”.

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Depois do prêmio em Cannes, Spall era favorito no Globo de Ouro e no SAG, o prêmio do sindicato dos atores dos EUA, mas ficou de fora de ambas as listas. Ele ainda poderá ser indicado para o Oscar, por mais que isso pareça improvável, sem o aval do sindicato. Uma indicação poderia motivar a Sony a lançar o filme nos cinemas brasileiros, o que a empresa não parece inclinada a fazer.

Mike Leigh tem sido um habitué em Cannes e até já ganhou a Palma de Ouro – por Segredos e Mentiras, em 1996. Mas cada vez mais a crítica discute se ele é mesmo um grande cineasta. Mike Leigh exagera na representação estereotipada que faz dos ingleses. Os de Mr. Turner chegam a irritar, o que não impede o filme de ter pelo menos uma bela cena.

Turner hospeda-se no hotel daquela que será sua mulher, mas ela ainda é casada com um antigo lobo do mar. O cara trabalhava em navios negreiros. Relata o horror dos navios que conduziam escravos. A cena é poderosa. É real – inspirou um dos quadros mais famosos do pintor. 

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