Turma de 2009

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Por Lúcia Guimarães e NOVA YORK
Atualização:

A temporada dos discursos de formatura está terminando e, este ano, a oratória pode ser examinada como o marco de geração. Além dos 40 anos de Woodstock e da rebelião no bar nova-iorquino que ajudou a dar a luz ao movimento gay, 2009 traz os baby boomers confessando seus fracassos. Muitos boomers saíram da universidade prometendo mudar o mundo. Um passar de olhos pelos discursos de 2009 sugere que certas formaturas deviam ser antecedidas por alertas para os depressivos. Barack Obama na Universidade de Notre Dame: "Vocês vão entrar num período de grande incerteza. Vão ser convocados a ajudar a restaurar um mercado livre que seja justo para todos dispostos a trabalhar." Michelle Obama na Universidade da Califórnia, em Merced: "Pensem nos milhões de jovens em todo o mundo que nunca chegarão perto da posição em que vocês se encontram." Thomas Friedman, o pastor colunista, no Grinnell College, de Iowa, criticou: "A geração que saiu comendo tudo à sua volta como gafanhotos famintos." Thomas Friedman cobra US$ 75 mil para fazer palestra e recentemente teve que devolver a quantia para o falido governo da Califórnia, ao repetir uma palestra já feita. Devolveu ao sentir o bafo da direção do New York Times no seu cangote, quando a história foi revelada por um jornal de São Francisco. O festival de autopiedade não cai bem com os estudantes. Eles vão pagar as contas da geração que vai viver mais 20, 30 anos. O presidente do Banco Central americano, Ben Bernanke, no pódio da Escola de Direito do Boston College, enveredou pelo pop, inspirado por John Lennon: "A vida é o que acontece quando você está ocupado fazendo outros planos." Na simetria da troca de papéis, o cantor John Legend, de 30 anos, discursou na Universidade da Pensilvânia: "Gastamos trilhões resgatando bancos com lucros fantasmas que vendiam produtos cujo valor não tinha nenhuma base na realidade." A escritora e jornalista Barbara Ehrenreich, nascida durante a 2ª Guerra, optou por uma terceira via que, por falta de definição melhor, pode ser chamada de apocalíptica revigorante. Ehrenreich é autora de quase duas dezenas de livros, entre eles, Desemprego de Colarinho Branco e A Miséria Americana. Ela falou na Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia, no emblemático campus de Berkeley. Começou dizendo que o diretor da escola havia lhe pedido alguma dose de otimismo. E foi direto ao assunto. "Vocês vão tentar construir uma carreira sobre o pior declínio econômico desde a Grande Depressão. E, ainda por cima, no que aparenta ser uma indústria moribunda. Vocês têm abundância de talentos, mas não está claro se alguém quer pagar por eles." Ehrenreich lembrou aos jornalistas aspirantes que não estão sozinhos. Sugeriu que se colocassem no lugar dos operários da indústria de automóveis, que têm talento e experiência, mas não empregos. "Quero ser a primeira a dizer a vocês", continuou, "bem-vindos à classe trabalhadora americana." Ela avisou que eles não ficarão ricos e vão viver os mesmos problemas que terão de cobrir: a luta por seguro saúde, creches e moradia. A autora lembrou a própria carreira e a "anomalia" dos anos 90 nos Estados Unidos. Um editor da Esquire, ao fim de um almoço típico daquele período de excesso, concordou a contragosto com sua pauta sobre pobreza e advertiu: "Faça a sua coisa sobre a pobreza, mas faça ?pra cima?." Ehrenreich admitiu que foi bem paga para cobrir a pobreza, chegou a ganhar US$ 10 por palavra. Este ano, ao oferecer outra série sobre o mesmo assunto para um "grande jornal americano", ela aceitou 25% do que ganhava escrevendo colunas para o mesmo jornal. E jogou água fria na plateia: "Nós não somos parte da elite. Nós pertencemos à classe trabalhadora, que é como os jornalistas se viram durante a maior parte da história americana - dando duro. Podemos ser mal pagos, podemos ser deslocados, demitidos sem justa causa - como qualquer outro metalúrgico." Ehrenreich chamou atenção para a diferença: metalúrgicos não podem construir um automóvel na garagem de casa. A recessão, argumentou, não precisa acabar com o jornalismo. "Não levem seus diplomas como um certificado que dá direito a privilégio. Considerem o canudo de papel uma licença para lutar. Nos anos 70, foi o jornalismo ?gonzo?. Agora, é o jornalismo guerrilha e não vão nos deter." Não testemunhei o efeito da linguagem quase saudosista de Barbara Ehrenreich sobre os graduandos de uma geração notoriamente avessa a dramas sociais. Não espero me alimentar de hambúrgueres e evitar exames médicos porque o seguro saúde tornou-se uma miragem. Mas não acabo de me formar. A jornalista oradora prestou um pequeno favor à sua plateia. Mais do que a expectativa de almoçar no restaurante junto ao banqueiro, é a ilusão do jornalista de pertencer à elite que ajudou o país a hibernar durante a formação da bolha financeira. E a citar fontes anônimas endossando a justificativa para a invasão do Iraque. Mais modéstia e menos promiscuidade, são sugestões úteis para quem se dispõe a insistir nessa profissão.

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