Tunga revela os mistérios do corpo no Masp

Museu abre hoje, para convidados, e amanhã (15), para o público, exposição com 86 obras do artista, morto em 2016

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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Artista multidisciplinar, o pernambucano Tunga (aliás, Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), morto em junho do ano passado, aos 64 anos, criou uma obra em que trabalhos mais antigos se desdobram em novas peças, mantendo sua interdependência e carregando em sua morfologia um código sintático alquímico. Foi pensando nessa “espécie de cosmologia” particular do artista que os dois curadores da mostra Tunga: O Corpo em Obras, Isabella Rjeille e Tomás Toledo, organizaram a exposição de forma a propor ao visitante um percurso sem cronologia ou hierarquia entre as 86 peças provenientes do ateliê do artista, de acervos institucionais e coleções particulares. A exposição será aberta hoje, às 19h, apenas para convidados, e amanhã para o público, no Masp.

Oescultor pernambucano Tunga em 2014, dois anos antes de sua morte Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Tunga foi uma espécie de Joseph Beuys brasileiro – nem tanto pelo parentesco neodadaísta com  o alemão, mas pelo uso de materiais insólitos e a recorrência a princípios alquímicos. O visitante verá na exposição tacapes feitos com ferro trançado e por vezes amalgamados a longas cabeleiras de cobre. Verá também que ele usou maquiagem na pátina de esculturas e em desenhos, além de aquarelas com figuras no limiar do desaparecimento, em que formas humanas se integram a elementos da natureza (a rara série Quase Auroras). Por fim, deverá concluir que, assim como Beuys fez arte com materiais que salvaram sua vida na guerra da Crimeia (feltro e banha), Tunga recorreu a ímãs, cobre, ferro e chumbo para construir um “corpo” alquímico, formado da fusão de elementos antagônicos.

'Lezart', escultura de Tunga em exposição no Masp Foto: Masp

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Os trabalhos mais antigos da exposição são desenhos de 1974, exibidos pela primeira vez no MAM do Rio. Apesar do sugestivo título da série, Museu da Masturbação Infantil, dificilmente o visitante vai encontrar nela um insinuação figurativa que o justifique. No entanto, bem ao lado da série, o que era pura abstração vira figuração explícita num conjunto de desenhos feito posteriormente. Nele, corpos se entrelaçam como serpentes, tendo suas cavidades preenchidas por bizarras formas pontiagudas, entre elas dentes, a única parte da ossatura humana visível a olho nu.

O neoplatônico Plotino sempre foi a inspiração de Tunga. Ele voltou ao filósofo e à alquimia para gerar corpos marcados pela energia da conjunção. Tunga, no fim da vida, chegou a fazer uma exposição em que tornava clara essa sua ligação hermética com a “via úmida”, uma das técnicas usadas pelos alquimistas no passado para transformar a matéria, unindo o princípio ativo masculino (enxofre) com o feminino (o mercúrio, volátil). A curadora da exposição, Isabella Rjeille, acrescenta outra referência de Tunga, Santo Agostinho, para justificar a presença de tantos baldes, dedais e sinos em suas esculturas.

“O pai de Tunga (o escritor e jornalista Gerardo Mello Mourão) costumava contar para ele, quando criança, a parábola do menino que Agostinho vê na praia, tentando transportar toda a água do oceano para um buraco na areia”, conta a curadora. Santo Agostinho fica fascinado com a inocência do garoto, advertindo-o sobre a tarefa impossível que se dispôs a realizar, recebendo como resposta que é mais fácil do que tentar, como o santo, compreender o enigma da Santíssima Trindade.

Tudo em Tunga vem em trios, observa o curador Tomás Toledo, citando as tranças, as serpentes entrelaçadas, os tacapes (simbolizando o elemento masculino) recobertos por tranças (o feminino) e as últimas esculturas (dedos compridos que viram elementos fálicos com pernas e seios). Três esculturas da última exposição de Tunga, em bronze, que lembram as formas do surrealista Hans Arp, foram doadas ao Masp, que faz agora a primeira exposição monográfica do artista no museu.

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