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Tudo que é alternativo vira ouro

À margem da indústria, novos ídolos mobilizam multidões e tornam o cenário musical imprevisível

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Em setembro, dois garotos franceses de roupas pretas, pernas finas e currículo quase desconhecido por aqui colocaram 15 mil pessoas no Anhembi para dançar (ou pelo menos para chacoalhar a cabeça, dada a potência do seu som). Traziam a febre da selva nas batidas. Era a dupla francesa Justice, cujo contato com o mainstream é apenas esporádico e acidental e cuja abordagem da música eletrônica é puro rock?n?roll. A vitória do Justice foi um evento simbólico revelando a natureza do ano que passou: o alternativo virou ouro para o mundo do show biz. Os concertos mais bacanas foram de artistas que não têm contratos milionários, que raramente são reconhecidos nas ruas como pop stars e que podem se dar ao trabalho de se dirigir ao seu público sem subterfúgios e sem a triagem das revistas de celebridades. Em junho, esse novo olhar dos organizadores de festivais sobre as bandas alternativas armou suas tendas no Parque do Ibirapuera. Foi na programação do Motomix - The Rokr Festival. Seis mil pessoas e uns 600 cães na coleira assistiram ao show de nervosa doçura do grupo canadense Metric, encabeçado pela loira Emily Haines, menina com sorriso de Winona Ryder. Com um arsenal de dancinhas nervosas, um shortinho que parecia que tinha tomado emprestado da baiana Cláudia Leitte, Emily mostrou um tipo de rock que não pode ser nem maior nem menor que aquilo. É o tamanho perfeito. Cabelo loiro lambido por sobre o rosto, ela domava o vento frio com uns versos de ansiosa urgência ("Onde ninguém dorme, um fica de pé enquanto o outro descansa"). No dia 16 de julho, no Studio SP, lá pelas 23 horas, entrou no palco um garoto de camisa xadrez que já foi comparado a Bob Dylan. Ao contrário do bardo fanho, no entanto, Conor não carrega consigo nem as manias nem a lenda. Ele se esquiva dela com serenidade, e ganha o mundo com um exército de três homens: ele mesmo (voz, composição, violões e guitarras); Jason Boesel, um baterista que também faz o vocal de apoio; e Nate Walcott, um tecladista que é ocasionalmente também trompetista. Com sua voz de garoto, instável, uma lírica audaciosa ("Tive uma arrastada discussão sobre O Poder do Mito com um autor pós-moderno que não existia/Nesse mundo ficcional tudo realmente gira/Eu era um romântico esperançoso mas agora estou apenas alternando os truques), Conor trouxe a ambição indie de comer o mundo pelas beiradas para os baixos da Rua Augusta. Duas noites inesquecíveis. "Quando tudo está solitário, posso ser meu próprio melhor amigo/Descolo um café e o jornal, tenho papos com o calçadão e com os pombos e com o reflexo na minha janela/A máscara que eu poli a noite toda, pela manhã parece uma porcaria." O herói de garagem sai de seu porão e ganha os corações alternativos de todo o mundo. No rock nacional, o ano assistiu a um jogo duplo: a velha cascata do "vamos criar ídolos artificiais e ondas de plástico na marra" continuou vigorando, dessa vez tendo como foco principal o folk tupiniquim. Mas havia sangue correndo nas veias da música, e isso ficou evidente com a aparição do disco Louva-a-Deus, dos paulistanos do Forgotten Boys. Produzido por Apollo 9 e gravado e mixado pela "cigarra" dos estúdios Roy Cicala (que trabalhou com John Lennon), o álbum provou que banda brasileira pode fazer um som garageiro e cru, mas ao mesmo tempo incrivelmente sofisticado. É uma guitar band de riffs deliciosos, guitarras que nunca soam prolixas, remontando aos primórdios do punk nova-iorquino. Música não é mais algo associado a eventos de estádio e a estrelas milionárias que andam com comboios de carros blindados pela cidade. Basta ver o que fez , no Sesc Paulista, no dia 14 de outubro, o grupo belga DAAU (sigla de Die Anarchistische Abendunterhaltung). No extremo oposto do som de atos dance belgas como o Vive la Fête, que tocava na cidade no mesmo instante, o DAAU foi formado por multiinstrumentistas no Conservatório de Anvers. Misturam John Zorn, Portishead, Beatles, Cornelius, Sonic Youth, Tom Waits, Mr. Bungle, Squarepusher, Vivaldi, entre outras coisas. "É como se fizéssemos música para filmes o tempo todo, só que sem as imagens. É um som instrumental, mas que conta uma história musicalmente", disse o acordeonista do grupo, Roel Van Camp. O DAAU tirou seu nome do romance O Lobo da Estepe, de Herman Hesse. E lançam mão de uma citação de Hesse como substrato filosófico: "Eu não posso escrever música, ela me é alienígena, assim como suas fronteiras, mas eu posso certamente entendê-la." A frase atrela-se definitivamente a esses novos tempos que vivemos, quando a utopia que prevê que todo mundo será artista em algum momento parece estar se realizando. E finalmente, quando chegou novembro, veio o grupo de rock do ano, o combativo e incansável Foals, de Oxford, Inglaterra, aqui para o festival Planeta Terra. Os garotos do Foals, para quem viu o festival e entende do riscado, estão salivando de vontade de fazer rock de verdade. A banda de Oxford, formada por moleques que parecem ter fugido do intervalo das aulas no Liceu Pasteur, é a mais interessante novidade do rock pós-Franz Ferdinand. Seu álbum de estréia, Antidotes, tem o frescor das coisas que se misturam com naturalidade: uma batida funky e violinos convulsivos; guitarras dissonantes e percussão muscular; afrobeat e krautrock; rock e dance music em doses cavalares e balanceadas. O que há de novo? De novo, vem de Seattle a novidade. O quinteto Fleet Foxes promete ser a banda da hora em 2009. Liderada pelo vocalista e guitarrista Robin Pecknold, o grupo bebe em fontes dos anos 1960, como Beach Boys e Zombies (há também reverências a Crosby, Still, Nash & Young e John Denver em seu som). Formado pelo guitarrista Skyler Skjelset, o baixista Bryn Lumsden, o baterista Nicholas Peterson e o tecladista Casey Wescott. O disco de estréia, homônimo, pegou que nem fogo em mato seco. Climas até meio natalinos, feito de coros pastorais (White Winter Hymnal), e citações veladas a clássicos cult da música, como o disco If Only I Could Remember My Name, de David Crosby, pontuam um trabalho raro, que já está fazendo história. As letras evocam imagens e situações de poesia quase épica ("E, Michael, você vai tombar/E tornar a neve branca vermelha como mil morangos"). Eles próprios definem seu som como "pop barroco harmônico improvisacional". Mas é muito menos mirabolante seu som, feito de climas folk de diversas culturas, da irlandesa à japonesa. Lembra a viagem do Arcade Fire, mas um pouco menos grandiloqüente.

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