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Tributos instrumentais aos mestres

Novas impressões sobre a obra de Tom Jobim, Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Marcos Valle e Burt Bacharach em bons Cds

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

De tributos e homenagens o mercado de música brasileira já andou bem saturado. Volta e meia tem alguém aproximando a bossa nova de algum figurão americano, ou juntando mestres como Tom Jobim e Villa-Lobos, ou reinterpretando suas obras separadamente, nem todos com olhar criativo. Dentre os forasteiros, Burt Bacharach, agora avizinhado de Marcos Valle, é o que recebe visitas mais frequentes, nem todas bem-vindas. Mas eis que a temporada de outono de 2009 traz alguns títulos com olhares renovadores e/ou respeitosos sobre a obra de alguns mestres, por instrumentistas insuspeitos. Paula Faour e a Música de Marcos Valle & Burt Bacharach (Biscoito Fino) é um dos mais prazerosos de se ouvir. A ideia de unir o cancioneiro desses dois compositores, que estão entre os prediletos da pianista, foi do pesquisador Rodrigo Faour, que estreia como produtor neste álbum. Afinada com o jazz, a bossa já estava presente no CD de estreia de Paula, Cool Bossa Struttin?. Neste, ela mantém o estilo, interpretando clássicos de Valle, expoente da segunda geração da bossa nova, e do ícone do easy listening, como Terra de Ninguém e Raindrops Keep Falling on My Head. Até aí, beleza. Ela deixa impressões pessoais, renovadoras sobre músicas já bem conhecidas. O mais curioso, porém, foi encontrar afinidades entre eles, não só combinando seus estilos, mas realmente fundindo, entrelaçando os temas. Assim é que Do You Know the Way to San Jose flui na cadência de Samba de Verão com naturalidade. Melodias que no original ganharam letras esperançosas, What the World Needs Now Is Love e Um Novo Tempo também ressurgem bem casados nas versões instrumentais. O clima de fim de tarde no mar, na foto da contracapa, não é gratuito. O som do CD combina com esse ambiente de relaxamento. O mar de um Rio de Janeiro idílico também ilustra o tributo do guitarrista Victor Biglione a Tom Jobim (1927-1994) . E o CD Uma Guitarra no ?Tom? (Delira Música) igualmente começa em clima de lounge, com versões cool para Lígia e Mojave. Em seguida vêm clássicos da bossa nova, como Vivo Sonhando, Fotografia e Água de Beber. Os arranjos jazzísticos, cheios de improvisos criativos, remetem a Wes Montgomery (1925- 1968). Como o mestre americano, Biglione, argentino há muito radicado no Brasil, também é pródigo em unir delicadeza, balanço e virtuosismo. Sem com isso se deixar mais levar pelos excessos do jazz-fusion. Suas versões para Fotografia, Tema de Amor de Gabriela e Chovendo na Roseira estão entre as que levaram Roberto Menescal a comentar: "É uma faculdade de música e interpretação!" Aprimorando seu estilo a cada trabalho, aqui ele é acompanhado por Sérgio Barrozo (contrabaixo) e André Tandeta (bateria). Já Arthur Nestrovski, em Jobim Violão (Biscoito Fino), encarou sozinho o desafio de reinterpretar composições que originalmente não foram escritos para seu instrumento. Lígia é a única música que coincide com o repertório escolhido por Biglione. Nestrovski optou por executar 14 temas que no original tinham letras, eram canções bem conhecidas. Como o violonista procurou manter-se fiel à partitura do Cancioneiro Jobim, o resultado soa um tanto, digamos, didático, mas é mais uma boa oportunidade para ressaltar a imensurável qualidade de Jobim como melodista. Mestre de Tom Jobim, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) também segue desafiando instrumentistas e arranjadores a renovarem seu legado. Desta vez é Bruce Henri, exímio contrabaixista americano radicado no Brasil desde os anos 70, quem lança "um novo olhar sobre a obra de Villa-Lobos", fazendo uma sofisticada fusão entre a escola erudita e o jazz em Villa?s Voz (Delira Música). É curioso notar no arranjo de Legendária (Pequena Suíte - 2º Movimento) referências a Chovendo na Roseira (Tom Jobim) e Valsa de Uma Cidade (Antonio Maria/Ismael Neto). Já Melodia (Pequena Suíte - 5º Movimento) caminha para o samba-jazz suave, O Canto do Cisne Negro se aproxima do tango e Melodia Sentimental tem algo de jazz-baião e música indígena. Em Luciano Alves Interpreta Ernesto Nazareth (Biscoito Fino), o pianista e compositor reúne num só instrumento (e numa só proposta) certas facetas reconhecidas nos solistas citados acima. Sozinho ao piano, ele interpreta com leveza, virtuosismo, criatividade, respeito, erudição e brejeirice tangos, valsas e uma polca de Nazareth. Com Odeon, Brejeiro e um Apanhei-te Cavaquinho (considerado o primeiro choro) de tirar o fôlego ele fisga o ouvinte de cara, para depois abrir o repertório para temas menos conhecidos desse que foi um dos pioneiros a fazer a ponte entre o erudito e o popular no Brasil. E encerra a sessão com uma composição própria (Pipocando), um tango brasileiro ao estilo do mestre. Bela homenagem. Homenagens desafiam a criatividade JAZZ E ERUDITO: Acompanhado dos músicos Leo Ortiz (violino), Ricardo Costa (bateria e percussão), Fernando Moraes (piano), Jessé Sadock (trompete e flugelhorn), David Ganc e Jorge Prado (flautas), o contrabaixista Bruce Henri rearranja peças eruditas de Villa-Lobos, como três movimentos da Pequena Suíte, aproximando-as do jazz. AFINIDADES: Neste segundo CD, a talentosa pianista carioca Paula Faour procura pontos de convergência entre Burt Bacharach e Marcos Valle. Leveza, elegância, sensualidade e prazer são atributos que definem sua sonoridade. Além de Valle, ela conta com outros convidados de peso, como Roberto Menescal, Carlos Malta, Gilson Peranzzetta. PRETO NO BRANCO: O pioneiro do choro Ernesto Nazareth (1863-1934) ganha homenagem do pianista Luciano Alves. O encarte traz um perfil do autor de Odeon, Brejeiro e Fon-Fon, presentes no CD. SÓ NAS CORDAS: Tom Jobim tem clássicos e peças raras revisitados pelo guitarrista Victor Biglione e pelo violonista Arthur Nestrovski. O desafio para ambos os músicos, em seus respectivos CDs-solo, foi criar arranjos para temas não escritos para seus instrumentos, já que Jobim compunha no piano.

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