Tributo à pintura de Yolanda Mohalyi em livro e exposição

Pioneira da arte abstrata no Brasil foi mestra de toda uma geração

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Lançado hoje, pela manhã, na abertura da exposição dedicada à pintora pela Dan Galeria, o livro Yolanda Mohalyi - A Grande Viagem, assinado pela curadora da mostra, Maria Alice Milliet, coloca no patamar que merece a obra da artista – um dos grandes nomes do abstracionismo brasileiro. Morta há 37 anos, Yolanda Mohalyi (1906-1978) foi reconhecida em vida, participou de sete edições da Bienal de São Paulo e recebeu prêmios importantes, mas faltava uma publicação que colocasse sua obra em perspectiva, mostrando sua importância como professora de Maria Bonomi, Sérgio Fingermann e outros. Além disso, sua presença nos principais museus e em prédios públicos de São Paulo atestam a perenidade de uma obra de caráter histórico por meio da qual é possível acompanhar a evolução da modernidade no Brasil.

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Nascida na Transilvânia, Hungria, a pintora chegou ao Brasil em 1931, como Yolanda Léderer, incorporando o sobrenome Mohalyi ao se casar com o compatriota Gabriel, engenheiro químico. O modernismo brasileiro estava em sua segunda dentição, voltado mais às questões sociais e políticas do que formais, ao contrário do período inicial. Yolanda, que cresceu em ambiente erudito e frequentou aulas de pintura na escola de Nagybania, espécie de Barbizon húngara, não demorou para perceber os ventos de mudança, ainda mais que sua preocupação com os menos favorecidos era genuína. Logo encontrou em Lasar Segall seu interlocutor ideal, integrando-se aos grupos da vanguarda artística paulista. Apresentada a ele pelo crítico Geraldo Ferraz, também conheceu Tarsila, Anita, Di Cavalcanti, Brecheret e outros modernos. Mas foi Segall que deixou marcas mais profundas em sua pintura.

Para começar, observa a crítica Maria Alice Milliet, os pés e mãos de suas figuras ganham dimensões pantagruélicas, como na pintura de Segall. A temática social predomina, denunciando a marginalização do negro, a maternidade desamparada, a falta de perspectiva dos mais humildes. São Paulo, em sua chegada, só tinha um arranha-céu (o Martinelli) e nenhum a galeria de arte. Para quem vinha de uma Europa em plena ebulição expressionista, o contato com Segall foi uma bênção. 

Alguns críticos não viam assim esse encontro, apontando essa influência como negativa para a afirmação de sua personalidade artística, inclusive Sérgio Milliet, um dos que escreveram sobre sua primeira exposição individual, em 1945, na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo, depois que Yolanda e o marido passaram uma temporada forçada no Rio Grande do Sul. Em 1939, quando a guerra eclodiu, o marido perdeu o emprego e o casal fixou residência no interior gaúcho. Voltaram a São Paulo justamente quando a guerra acabou.

Os anos 1950 apontaram uma mudança de rota, a partir de sua participação na 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Era ainda uma pintora figurativa, que, convidada pelo arquiteto Rino Levi, acabara de pintar três cenas religiosas no batistério da Capela do Cristo Operário, no Ipiranga, dividindo as paredes com Volpi. Católica praticante, sua pintura já mostra, segundo Maria Alice Milliet, “uma gradativa passagem para a abstração, que seria definitiva depois de 1957, quando viajou pela Itália e ficou emocionada com as obras de Piero della Francesca na Basílica de São Francisco em Arezzo”.

A visão epifânica de Piero levou Yolanda a concluir que é impossível pintar a figura humana depois do Renascimento sem fugir das duas escolas modernas, o cubismo, empenhado em sua decomposição, e o expressionismo, que dramatiza essa figura. A abstração parecia uma alternativa mais atraente. “Depois de 1957, ela muda sua paleta, que era viva e de cores quentes, trocando-a por cores sóbrias, escuras, em telas de grandes dimensões”, analisa a curadora e autora do livro.

Naquele mesmo ano, ao participar da 4ª. Bienal, o crítico Mário Pedrosa destaca sua sobriedade e equilíbrio, comparando-a a Karl Plattner, que também morou no Brasil. Na bienal seguinte, em 1959, o Estadão destacou sua presença como “a artista melhor representada” na mostra. Foi o anúncio da consagração definitiva de Yolanda Mohalyi, nos anos 1960, obtendo um grande sucesso de vendas no fim da vida, segundo o marchand Peter Cohn, que comercializa sua obra desde os anos 1980. Eles já fez duas exposições da artista (em 1982 e 1984) antes da atual.

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Um casal ajudou – e muito – a divulgar a pintura de Yolanda Mohalyi. Ela não deixou herdeiros e seu espólio ficou sob a responsabilidade do casal Jürgen e Barbara Bartzsch. Eles moram na Alemanha, mas foram seus vizinhos em São Paulo, quando dirigiam a escola Waldorf. Eles se conheceram em 1966. No Natal daquele ano, Yolanda abriu sua casa e recebeu o casal com um típico strudel húngaro. Após a morte da artista, o casal Bartzsch catalogou sua obra, doou 50 telas ao MAC – escolhidas pelo então diretor Wolfgang Pfeiffer – e colaboraram ainda com outras instituições.

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