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Três formas de pensar a fotografia

Retrospectiva de Pappalardo revela um olhar único sobre diferentes temas

Por Simonetta Persichetti
Atualização:

A cidade de São Paulo vista sob três ângulos completamente diferentes: por meio do seu chão, das pessoas invisíveis que a povoam e da noite que a transforma. Sob esse tripé foi montada a mostra Tensão Sobre a Calma, de Arnaldo Pappalardo, na Pinacoteca do Estado. Um olhar de um fotógrafo - que como muitos no Brasil - saiu da faculdade de Arquitetura e se habituou a fazer da cidade referência de suas indagações. Na exposição como um todo, todas as linhas e formas convergem, se encontram e formam um microcosmo metropolitano dentro do museu. "A primeira idéia surgiu há três anos: um livro para celebrar a fotografia e o percurso do Arnaldo Pappalardo dentro da fotografia", conta Rubens Fernandes Junior, curador da mostra. Mas o tempo foi passando, o livro se transformou em exposição - sempre com as mesmas intenções, até que no fim do ano passado se concretizou a idéia de Tensão Sobre a Calma, que por coincidência - ou melhor, escolha deliberada - também foi o nome da primeira exposição do Arnaldo Pappalardo há 30 anos, quando começou a fotografar. Nesse tempo, os arquivos de Pappalardo foram vasculhados, fotos recuperadas, um processo que determinou um mergulho no desenvolvimento do seu olhar, durante todo esse tempo: "Na verdade, nunca pensei em fazer uma retrospectiva", conta-nos o fotógrafo durante entrevista em seu estúdio tendo à frente maquetes e as fotos da exposição. "Minha idéia era perceber a transformação da minha maneira de ver. Mergulhei no meu arquivo para ver essas alterações: porque havia escolhido uma imagem em detrimento de outra? Quais os filtros que estavam presentes na minhas escolhas, etc." Dessa brincadeira inicial, a certeza de querer fazer um trabalho totalmente novo, em que algumas questões estariam sendo evidenciadas, como uma homenagem à fotografia: "Eu invejo alguns fotógrafos que têm um desenvolvimento linear em seu percurso profissional e pessoal, mas não é o meu caso, tenho um mosaico porque sempre ?atirei? para tudo quanto é lado. Então, tomei isso para montar esta exposição." Três séries, três formas diferenciadas de pensar a fotografia: o trabalho dos retratos foi a forma mais "pura" da fotografia: câmara na mão, andando pela rua, fotografando as pessoas em seus locais de trabalho, ou à noite pela cidade. Mas existe uma outra forma de fotografar: a construída, não apenas pelo olhar, mas como uma assemblage. Para isso, o espaço da mostra também era importante. Foi só depois de visitar o espaço onde seria montada a exposição que Pappalardo realizou as imagens. Como qualquer arquiteto, muniu-se da planta, pensou os espaços, os vácuos, as paredes e tudo foi usado para criar a mostra: a Pinacoteca tornou-se parte integrante do seu projeto: "Desde o início ele não queria uma exposição convencional, mas sempre pensou em termos de uma grande instalação", completa Fernandes Junior. Tudo é pensado, tudo é criado: como as imagens feitas de manchas do asfalto das ruas, mas que na mostra estão impressas em tecido e suspensas acima das nossas cabeças; ou as grandes fotos noturnas, coladas em pranchas de acrílico como se fossem slides gigantes e, apoiadas às paredes do museu, transformam-se em janelas que conversam e refletem com as janelas e portas da Pinacoteca. Os retratos montados em vitrines abertas - ou melhor, expositores -, que nos recordam exposições do século 19: a falta de molduras e sua colocação no centro do espaço nos dão idéia de intimidade, de aproximação. A proposta é provocar surpresa, desafiar o olhar: "Ao mesmo tempo, é trazer as várias fases da fotografia: os negativos de acetato, a rigidez, a transparência, grandes formatos, etc.", completa Rubens Fernandes, auxiliando-nos a percorrer a mostra. Nos temas escolhidos, também uma homenagem à fotografia, podemos rever, ou melhor, entrever, citações a alguns mestres da fotografia: quase impossível não lembrar de Eugene Atget, fotógrafo francês do início do século 20, quando olhamos as imagens noturnas, ou do alemão August Sander, quando olhamos os retratos e a contemporaneidade das manchas abstratas. Mas, sem dúvida, em todas elas, o olhar particular e único de Arnaldo Pappalardo. E é nessa construção imagética - aparentemente simples - que se constrói Tensão Sobre a Calma. Tudo está em ordem, tudo parece calmo, até mesmo nas ruas vazias de São Paulo, mas a sensação é de que algo pode de repente mudar: no banal podemos sempre ser surpreendidos. É isso que fica quando olhamos para as fotografias de Arnaldo Pappalardo: uma calma aparente, um cenário estabelecido, mas que parece em constante mutação: "O que eu quero dizer é que olhem, fotografem, divirtam-se com a fotografia. Cartier-Bresson estava certo: não é preciso inventar mais nada", termina o fotógrafo.

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