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Três boas promessas que não se cumprem na tela

Após exibição de Teza, Soldado de Papel e Noite de Cão, evento entra em sua reta final sem que nenhum concorrente realmente excepcional tenha aparecido

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e VENEZA
Atualização:

Foi o que se poderia chamar de jornada árdua a de ontem no Festival de Veneza. Três filmes em competição, que não dão a menor moleza para o espectador - Teza, de Haile Gerima (Etiópia), Soldado de Papel, de Alexei German Jr. (Rússia), e Nuit de Chien (Noite de Cão), de Werner Schroeter (França, Alemanha). Em comum, entre os três, a característica de serem longos, de estética empetecada, redundantes. Teza é uma espécie de Novecento (o grande filme de Bernardo Bertolucci) etíope. O personagem principal volta à sua terra depois de anos no exílio, e, em flashback, recorda-se do passado, dos anos 60, quando ele e companheiros sonhavam com a Revolução, depois a tirania do regime socialista no país, a ditadura de Hailé Selassié, etc. O filme não deixa de ter encanto em certas partes, mas não se livra de um tom pesado e prolixo na maior parte do tempo. O protagonista Aaron Arefe, com seu carisma, carrega o filme nas costas. Soldado de Papel volta ao tempo da União Soviética, e, mais especificamente, a um dos episódios-chave da Guerra Fria, o lançamento do primeiro homem ao espaço, Iuri Gagarin, com o propósito de mostrar a superioridade do regime comunista sobre seu oponente capitalista. Como se sabe, a corrida espacial foi, muito além do desafio tecnológico, um embate simbólico entre as duas superpotências. O filme toma como personagem não um cosmonauta (astronauta era a designação norte-americana), mas um médico da equipe. Falado demais, o filme, no entanto, exibe uma estética interessante ao mostrar o caos da estação científica plantada no Casaquistão, na época uma das repúblicas soviéticas. A paisagem é desoladora; fria, molhada. Os personagens estão sempre falando ao mesmo tempo, tropeçando uns nos outros, ferindo-se. O diretor quis passar essa impressão de desordem, de palavrório oco e desencontrado, talvez como forma de mostrar que tudo aquilo não poderia mesmo dar certo. A guerra espacial, talvez a URSS como um todo. O espectador, coitado, sente-se massacrado. Mesma impressão (por outros motivos) para Noite de Cão, do diretor Werner Schroeter, um dos papas do Cinema Novo alemão dos anos 60. Inspirado em texto do uruguaio Juan Carlos Onetti, o filme mostra uma distopia política numa cidade sitiada, dominada por policiais violentos, políticos corruptos e, ainda por cima, assolada pelo cólera. A população, em massa, tenta escapar por navio, mas os bilhetes para fugir a esse inferno são, compreensivelmente, disputados a tapa. Ou melhor, a tiros e bordoadas. O francês Pascal Greggory faz Ossorio, personagem que chega à cidade sitiada em busca da mulher amada e vê-se às voltas com o caos reinante. O problema de Noite de Cão não é com o tema ou com as questões tratadas - mas com uma estética que parece por demais datada, o que cria a tediosa impressão de anacronismo. Apesar da extrema tolerância (e mesmo cumplicidade) da imprensa local para com o festival, os jornalistas começam a se perguntar, pelos corredores, se não haveria uma seleção melhor a ser feita a partir dos nada menos que 2.600 filmes examinados pelos organizadores. O festival entra em sua fase final e, até agora, não foi visto nenhum concorrente que seja de fato excepcional. Há bons filmes, mas a média é muito baixa. Quando se pensa que Veneza é um dos três festivais top de linha do cinema mundial, o quadro que se desenha até agora torna-se preocupante. Repercute, ainda, a presença dos índios brasileiros em Veneza, que representam a si mesmos em Birdwatchers, do ítalo-argentino Marco Bechis. O tradicional Corriere della Sera dá como manchete: "O grito dos índios sacode Veneza". Os jornalistas locais, de maneira geral, elogiaram o filme, uma co-produção entre Itália e Brasil, pela maneira lúcida e pouco melodramática, porém enfática, como a questão indígena foi apresentada. Bechis, em entrevistas, tem insistido em se dizer chocado com o que viu no Mato Grosso, com o campo quase que todo ocupado, segundo ele, por plantações de soja transgênica, o que deixa cada vez menos espaço para as florestas e as pessoas que nela vivem. A fala dramática da índia Eliane Juca da Silva também continua a ressoar pelo Lido. O ator italiano Claudio Santamaria disse que se sentia recompensado ao ver os índios falando de seus problemas diante de toda a imprensa internacional. "Isso me dá esperança de que alguma coisa possa mudar no Brasil em relação à demarcação das terras indígenas", disse. Foi também muito bem-sucedida a coletiva do diretor Julio Bressane, que estava acompanhado da roteirista Rosa Dias e da atriz Alessandra Negrini. Bressane respondeu a questões sobre a concepção visual do filme e também sobre o processo de adaptação de dois contos de Machado de Assis - Um Esqueleto e A Causa Secreta - no longa-metragem A Erva do Rato. "Trazer a literatura de Machado para o cinema é uma operação transemiótica", disse. "O que procuro é incorporar algo do estilo de Machado de Assis na própria linguagem do filme; quer dizer, há uma sugestão de leitura de Machado feita pelo cinema, mas apenas uma sugestão." Gondoleiras NATALIE PORTMAN: A atriz estreou como diretora com o curta-metragem Eve, estudo sobre o comportamento de mulheres de diferentes gerações. Uma delas é interpretada pela veterana atriz Lauren Bacall. Natalie se diz inspirada por sua experiência pessoal e por amigos que tentam se separar de suas mães. Ela que, como atriz, trabalhou com diretores como Luc Besson e Mike Nichols, diz que incorporou essa experiência à nova atividade. Mas se confessa também muito influenciada pelo teatro de Chekhov. Acha possível conciliar a carreira de atriz e de diretora, e diz que essa nova experiência foi muito enriquecedora. "Como atriz, nós sempre nos sentimos guiadas pela mão do diretor. Já no papel de cineasta, ficamos sós; realizamos um trabalho do princípio ao fim, e sempre por nossa conta. É como se fosse a passagem da infância para a idade adulta", disse. O filme fala sobre expectativas de mulheres de gerações diferentes, uma mais liberada, outra mais dependente do marido e da família. "Mas acabei encontrando mais semelhanças que diferenças entre as duas", diz a atriz em entrevista. PARALELA: Todo festival tem sua mostra oficial (às vezes mais de uma) e as paralelas. E há também as paralelas marginais. Uma das mais badaladas deste ano em Veneza reúne representantes do cinema erótico. E, entre eles, brilha o italiano Tinto Brass, que mostra trechos de seus filmes podados na mesa de montagem por conterem cenas fortes demais. Quem conhece o cinema de Tinto pode bem imaginar o que sejam essas cenas. REVISÃO: Enquanto a mostra principal continua morna, alguns filmes em paralelas esquentam o festival. Um deles, em especial, tem provocado polêmica interminável. O documentário Venezia ?68 faz uma revisão política do festival naquele ano insurgente. Em Cannes, o festival foi interrompido pelos cineastas. Em Veneza, tentou-se fazer a mesma coisa mas, apesar de intervenções de grandes figuras, como Cesare Zavattini e Pier Paolo Pasolini, o festival continuou. O filme, de Antonello Sardo, tem sido criticado pela esquerda, ou pelo que resta dela na Itália, por trazer uma visão unilateral e tida como conservadora. No próprio catálogo do festival, há um texto de Tullio Kezich, do Corriere della Sera, que considera os eventos de 68 em Veneza "mais um ato de autocanibalismo da esquerda". Efeitos já da nova era Berlusconi?

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