Todos os mestres do mestre Picasso

Mostra em Paris segurada em ? 7 bilhões coloca a pintura do espanhol ao lado das telas dos artistas que mais o influenciaram

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Por Luiz Carlos Merten e PARIS
Atualização:

Tão grande está sendo o sucesso da exposição Picasso et les Maîtres, no Grand Palais, na capital francesa, que na impossibilidade de estendê-la - termina segunda -, os organizadores promovem uma medida ousada. Durante três noites, a mostra estará aberta ininterruptamente, 24 horas por dia, com acesso por linha de metrô que vai funcionar sem parar. Picasso e os Mestres virou o tititi de Paris. Nunca houve uma exposição como esta. Só para você ter ideia, o seguro não se mede por milhões, nem mesmo centenas de milhões de dólares, mas por bilhões de euros, exatamente 7 bilhões. É o que dá reunir tantos Picassos, Rembrandts, Renoirs, Goyas, Monets, Manets, Poussins, Declaroix, Ingres, El Grecos e Cézannes. Há cerca de dez anos, ou mais, o Louvre já sediara outra exposição - Copier, Créer - dedicada ao jovem Picasso. Era formada por desenhos que o futuro gênio da pintura fez quando, ainda estudante, frequentava o Louvre, embebendo-se da arte dos grandes mestres. Copiar, criar - Picasso reproduzia, com pena e crayon, os quadros que mais o impressionavam. Seu traço era impressionante. A nova mostra documenta como Picasso foi influenciado pelos mestres da pintura - e por seu pai. Um dos primeiros quadros é o retrato de José Ruiz-Blasco, o pai de Picasso, pintado de forma acadêmica por José Ponce Puente. O pai de Picasso era um homem rico que amava a pintura e que foi, ele próprio, pintor amador. Um belo dia, ele percebeu o talento do filho. Deu-lhe seus pincéis e tintas e nunca mais pintou. Os primeiros quadros são autorretratos. Ele continua copiando, não mais como desenho mas com pintura, seus mestres. Copiar vira, para ele, uma matéria de criação. Na virada para o século 20 surgiram o cinema e o fluxo de consciências de autores como Virginia Woolf e Marcel Proust. O cinema e a literatura buscavam novas formas de narrar e mostrar. Picasso também vai dizer, desse período, que queria mudar a pintura, fazendo quadros contra os pintores que admirava. Quadros que não se encontravam nos museus, mas que faziam parte do seu museu imaginário. Por volta de 1894/96, quando estudava pintura nas academias de Barcelona e Madri, ele proclama que Rafael e Velázquez são grandes mestres. Uma frase torna-se emblemática: "Naquela época, eu desenhava como Rafael. Foi preciso toda uma vida para que eu aprendesse a desenhar como uma criança." Os azuis e os violetas de Manet haviam provocado escândalo no Salão de Paris, de 1891. Seguiu-se uma reação anti-impressionista muito forte. O jovem Picasso adota o azul como cor-manifesto, mas soma a ela um caráter expressionista. As figuras tendem a se alongar e ele próprio dirá que se trata de influência do Greco. O quadro mais famoso desta época é A Família Soler, de 1903, um retrato de família acadêmico como muitos outros, mas o desnatura por meio da cor. El Greco é a principal influência do período. O Sonho de Felipe II, do Greco, é a origem de O Enterro de Casagemas, ou A Evocação. Há um movimento para cima na tela, como a da fantasia do rei, mas agora são a morte e seus desdobramentos, todos filtrados pelos tons de azul. A partir daí, a revolução da pintura não para mais. Em 1910, com a deflagração do cubismo sintético, Picasso retorna a uma espécie de cromatismo essencial, desmontando a forma e adotando o cinza como ?uma linha de defesa? contra as vertigens da abstração. Azuis, rosas e cinzas compõem fases que a exposição ilustra, colocando lado a lado, o quadro de Picasso e a obra do mestre que lhe serviu como referência. Os curadores, em geral, são contra esse encadeamento, digamos, ?didático?, mas no caso de Picasso é muito interessante ver como ele, na realidade, desconstrói e recria os mestres que admira. A Banhista Sentada Numa Paisagem, de Renoir, dita A Eurídice, vira A Grande Banhista, um quadro em que o volume da figura sugere um pós-cubismo. O Retrato de Um Jovem Cavalheiro, de El Greco, inspira O Retrato de Jaime Sabartés. O Retrato do Anão Sebastian de Morra, de Velázquez, vira O Homem Sentado com Espada e Flor. A exposição não segue o fio do tempo, mas o mistura ou provoca rupturas. Só para concluir com Velázquez, Picasso exclama - frase que encima toda uma ala do evento -, "As Meninas, que quadro! Velázquez é o verdadeiro pintor da realidade." Ele próprio vai produzir, em 1957, a sua versão de As Meninas. Por essa época começam as variações - de Delacroix, Manet, Poussin e David. Somente As Mulheres de Argel lhe inspiram, durante dois meses, entre dezembro de 1954 e fevereiro de 1955, 15 pinturas e dezenas de desenhos preparatórios nos quais ele muda o número das personagens e as posições que ocupam no espaço. Muitos desses quadros e desenhos mostram mulheres adormecidas, um tema que sempre seduziu Picasso. Mas são O Massacre dos Inocentes e O Rapto das Sabinas que inspiram o maior número de variações. O Rapto se constitui no último tema histórico de Picasso, entre outubro de 1962 e fevereiro de 1963. Como Guernica, sobre a Guerra Civil Espanhola, O Rapto e suas variações surgiram no imaginário do autor como consequência da crise dos mísseis, em Cuba, quando o mundo esteve à beira da guerra nuclear. E ainda há as naturezas-mortas e os nus, por meio dos quais Picasso paga seus tributos a Cézanne, Ticiano, Ingres, Goya e Courbet. Picasso et les Maîtres sintetiza uma trajetória das artes visuais dos últimos séculos, mostrando como o grande Pablo reinventou os maiores e criou a pintura moderna.

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