Todas as identidades de Matt Damon

Com Ultimato Bourne, ator se reafirma como ícone do agente pós-moderno

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Por Flavia Guerra
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Ele anda de metrô, faz baldeação, compra celular pré-pago, não troca de namorada como quem troca de roupa, aliás, não passa nem perto de usar impecáveis ternos e prefere tomar água em vez de dry martini. Não, não se trata de nenhum trabalhador de classe média que tem de se desdobrar para chegar ao trabalho todos os dias. Este é Jason Bourne, o mais novo modelo de agente secreto do cinema que é tão ''''normal'''', mas tão ''''normal'''' que em uma de suas identidades secretas atende pelo nome de Gilberto e é natural de Osasco. Quem dá cara e coragem ao agente é ninguém menos que Matt Damon, um dos mais discretos, reservados e, como ele mesmo diz, normais astros de Hollywood. Mas de normal só mesmo a fila imensa que ele enfrenta nos check-ins dos vôos que faz pela Europa em O Ultimato Bourne, o terceiro episódio da cine-série (iniciada com Identidade Bourne e seguida por Supremacia Bourne), dirigido pelo sempre político e polêmico Paul Greengrass (indicado para o Oscar por Vôo United 93), que estréia hoje nas salas do Brasil. Enquanto não está resolvendo problemas da fatura do cartão de crédito, Bourne tenta descobrir sua real identidade, tem crises de consciência, massacra agentes que o perseguem há tempos, fala perfeitamente (e sem sotaque) espanhol, inglês, francês, etc., pula por telhados no Marrocos com mais facilidade que o Manda-Chuva e ainda encontra tempo para fazer a barba. Damon, o ator mais rentável de Hollywood segundo a revista Forbes, prova porque é o mais novo paradigma, não só do astro de filmes de ação, mas do ator que sabe escolher bem seus papéis. Para relembrar, Bourne é um jovem agente que não se lembra de nada. Ágil e bem preparado, ele tem extrema habilidade para, digamos, matar. Esta é sua função real em uma trama na qual não sabe como foi se enroscar. E é isso que tenta descobrir. Sua identidade. No primeiro episódio da série - baseada na saga do personagem criado pelo escritor Robert Ludlum -, Bourne descobre que não sabe nada sobre si, que está sendo perseguido e tenta descobrir por quê. Obviamente, não consegue. No segundo episódio, sua namorada é assassinada e tudo o que ele tem a fazer é se vingar. Neste terceiro, ele finalmente descobre quem é e o que deveria estar fazendo. Damon, que nunca foi o protótipo do agente secreto, interpreta com veracidade esse personagem perturbado e perseguido. Os críticos sempre disseram que ele é, no máximo, um ator competente. De fato, está longe de ser brilhante, do quilate dos atores que são capazes de levar legiões ao cinema. Mas, disciplinado que é, o ator americano de 37 anos conquista cada vez mais o espaço reservado aos grandes nomes de Hollywood. Damon levou um Oscar de melhor roteiro com o amigo e parceiro Ben Affleck por Gênio Indomável. Mas, em entrevista ao Estado, em Los Angeles, onde recebeu a imprensa durante a maratona de lançamento do filme, em julho, disse que acha que o segundo Oscar vai demorar a chegar. ''''Nós escrevemos um filme para poder atuar. Porque somos atores e não roteiristas. Claro que eu adoraria ganha o segundo Oscar, como ator. Mas ainda tenho muito chão pela frente'''', disse ele, modestamente. Pode até ser, mas, enquanto isso, seja como Bourne, seja como o sargento Colin Sullivan de Os Infiltrados (de Martin Scorsese), Damon possui uma tática especial para se tornar o cara mais desinteressante diante dos tablóides e revistas de fofoca. Apesar de fazer questão de ser o mais certinho do mundo e de passar a imagem de que é apenas um sujeito comum, levando uma vida comum com Luciana, sua mulher argentina (ela era bartender e eles se conheceram durante as filmagens de Stuck on You) e sua pequena filha Isabella, nascida há um ano, Damon se diverte muito pelo caminho. A seguir, os principais trechos da entrevista: Você uma vez disse que o que mais gostava em Jason Bourne era a imperfeição dele. Continua achando isso, já que ele está cada vez mais ''''humano''''. Desta vez, até celular pré-pago dele compra. Sim. Continuo achando isso. Não é o protótipo do agente machão que está sempre cercado de belas garotas. Não troca de roupa toda hora. Na verdade, ele passa o filme inteiro com a mesma roupa. Tem problemas de consciência. Tem dúvidas. Muitas. Enfim, é humano, um personagem com suas nuances, apesar de estar no meio de um filme de ação. Bourne também é símbolo do agente da ''''era em que as ideologias morreram''''. Afinal, ele não luta contra comunistas, contra governos tirânicos que ameaçam a democracia e paz do mundo. É um assassino treinado que perdeu a memória. Isso diz muito sobre o mundo atual? De certa forma, sim. Não sei se as pessoas o vêem tão complexo assim, mas o fato é que ele não sabe por que matava. Não sabe para que tipo de pessoas da CIA trabalhava. Mas sabe que há algo errado e quer descobrir o porquê disso. De certa forma, esse mal-estar dele diz muito sobre nosso mal-estar atual. Temos medo e não sabemos do quê. E digo isso muito como cidadão norte-americano. Lutamos, lutamos e a grande maioria dos americanos não sabe contra o que exatamente. O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, EUA/ 2007, 111min.) - Ação. Di-reção de Paul Greengrass.14 anos. Cotação: Bom

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