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Todas as Alices suburbanas do País

Carla Ribas é excepcional no filme de Chico Teixeira, universo digno de Nelson Rodrigues, que abriu, sexta-feira à noite, a mostra competitiva Première Brasil

Por Luiz Carlos Merten e RIO
Atualização:

Inaugurado na quinta-feira, com o explosivo Tropa de Elite, de José Padilha, o Festival do Rio 2007 já exibiu, no primeiro fim de semana, algumas pérolas de sua seleção de mais de 400 filmes. A informação inicial de que seriam 370 foi logo superada por uma contagem mais exata, feita pela própria organização. Toda essa maratona está levando o cinéfilo a correr pelos 30 pontos de exibição distribuídos pela cidade, incluindo salas de cinemas e lonas culturais. Alguns dos primeiros filmes já apresentados - A Maldição da Flor Dourada, Império dos Sonhos (Inland Empire), 4 Meses 3 Semanas e 2 Dias, O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford; e os brasileiros - Tropa de Elite, na abertura, Nome Próprio, na inauguração da Première Brasil, na sexta, e A Casa de Alice e Por Onde Andará Edith Veiga?, ontem à noite. Vladimir Carvalho anda feliz da vida. O documentarista paraibano fez em condições heróicas, sem nenhum apoio oficial, seu belo trabalho O Engenho de Zé Lins, que faz uma metáfora sobre o (relativo) esquecimento da obra do escritor José Lins do Rego - que Vladimir considera, com razão, um dos gênios da raça - por meio da deterioração dos engenhos que pertenceram a seu avô. Na passagem dos 50 anos da morte de Zé Lins, o Estado publicou uma reportagem de Jotabê Medeiros, que foi visitar aquele mundo em extinção, trazendo o testemunho de personagens que vivem naquela agonia. Na sexta-feira, durante o debate sobre O Engenho de Zé Lins, Vladimir Carvalho anunciou que o governo, na semana passada, anunciou medidas efetivas para salvar aquele patrimônio da cultura brasileira. Segundo ele, o impacto da reportagem de Jotabê Medeiros foi decisivo para isso. Murilo Salles inaugurou a Première Brasil com Nome Próprio, que incursiona pelo mundo dos blogs. Contando a história de Camila, inspirada em Clarah Averbuck. Mulher excessiva, Camila, que quer ser escritora, transforma-se em personagem de si mesma e vive publicamente sua vida íntima, compartilhada pelos freqüentadores de seu blog. A personagem é egoísta e autocentrada. Na interpretação de Leandra Leal, que foi de uma entrega física e emocional radical, beira o insuportável, mas é certamente o retrato de alguém que existe, por mais desagradável que seja a ficção. Não é só uma Camila. Devem existir outras. E a questão de ser desagradável exige explicação. Se o objetivo era chocar, ousar, sacudir - o que é legítimo, além de uma das funções da arte -, é discutível que o resultado seja eficiente. A própria montadora Vânia Debbs, uma das melhores do cinema nacional, há de concordar que uns 30 minutos a menos de duração poderiam podar um pouco o filme e a personagem de seus excessos, tornando a angústia mais verdadeira. O ponto mais interessante de Nome Próprio termina sendo a obsessão do diretor pelos espaços fechados. O apartamento de Nunca Fomos Tão Felizes, a casa de Assim Nascem os Anjos, de novo o apartamento de Nome Próprio - Murilo Salles diz que não conhece a obra do cineasta americano Joseph Losey para assumir a influência, mas ele navega nas mesmas águas turvas. Camila poderia, quem sabe?, ser tratada com mais distanciamento crítico, como a Eva de Losey. Vânia Debbs também monta A Casa de Alice, de Chico Teixeira, que abriu a mostra competitiva da Première Brasil. Outro retrato de mulher, agora de uma dona de casa suburbana, que pega o ônibus para o serviço de manicure num instituto de beleza no centro de São Paulo. O marido taxista e os três filhos compõem um universo familiar digno de Nelson Rodrigues. Na casa, existe outra mulher, a avó, e é ela quem testemunha a desintegração desse grupo familiar fundado na mentira e na dissimulação. O roteiro submetido à comissão de seleção do concurso Petrobrás Cultural previa um final mais explosivo, que o diretor resolveu eliminar. O filme não explode mais com as personagens. Implode. A Casa de Alice mostra um retrato sufocante da classe média. É um filme perturbador e triste. Em sua estréia no cinema, a atriz de teatro Carla Ribas sobe imediatamente ao pódio das maiores interpretações femininas da história do cinema no País. O repórter viajou a convite da organização do festival

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