Toda originalidade do jovem Sibelius, conduzida por Tortelier

Maestro regeu a Osesp na belíssima execução da primeira sinfonia do compositor, combinando delicadeza com elegância

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Por Crítica Lauro Machado Coelho
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Jean Sibelius tinha 34 anos ao estrear, em abril de 1899, a Sinfonia nº 1 em Mi Menor op. 39. A interpretação de Yan-Pascal Tortelier, na quinta-feira, destacou o que há de extremamente original nessa primeira sinfonia - em que pese a influência ainda forte de Tchaikóvski sobre o compositor -, desde o melancólico solo de clarineta com acompanhamento surdo das percussões, com que se inicia o Adagio ma non troppo - Allegro enérgico, ao qual se segue um tempestuoso tema nas cordas. Notáveis foram, no decorrer do desenvolvimento, a elegante intervenção do solo de violino de Cláudio Cruz e, na breve coda, com os metais em fortíssimo, a forma dramática como Tortelier fez se encerrar abruptamente, com acordes dos violinos e violas em pizzicato, um movimento em que a retórica romântica se combina a uma economia de construção tipicamente clássica. A Orquestra Sinfônica de São Paulo abordou com delicadeza a melodia do Andante ma non troppo - Lento introduzida pelas cordas em surdina, e retomada pelas clarinetas; bem como o segundo tema no fagote, durante algum tempo tratado em cânon pelas madeiras. Aqui é onde está mais patente a influência de Tchaikóvski, cuja Sinfonia Patética tinha sido tocada em Helsinque em 1894 e 1897. Em seguida, Tortelier imprimiu toda energia ao tema rítmico do scherzo Allegro, fazendo-o contrastar com o trio, nos sopros, de um tom pastoral, mas sensualmente apaixonado. Quanto ao Finale: Quasi Una Fantasia, de tom rapsódico, funcionou lindamente a reaparição do tema do Adagio inicial da sinfonia, aqui marcado Andante, e com um tom mais patético. O crescente suspense que Tortelier construiu, ao longo dos episódios desse finale, extraindo efeito muito teatral das gradações dinâmicas - em especial no episódio cantabile ed espressivo, em dó maior -, culminou na coda, com violentos acordes das madeiras e dos metais, em que a repetição dos dois pizzicatos do fim do primeiro movimento levam a sinfonia a um encerramento de grande dramaticidade. Essa belíssima execução da Primeira Sinfonia de Sibelius tinha sido precedida, na primeira parte, pela suíte da Masquerade de Aram Khatchaturián, e por um Concerto para Fagote atribuído a Gioachino Rossini. Sem ser música de primeira água, a partitura de Khatchaturián permite uma execução colorida e atraente. Os movimentos mais interessantes são os lentos, em especial o Noturno, que tem uma certa afinidade com o Adagio de Frigia do balé Spartacus. Quanto ao Concerto para Fagote, ele pertence a um Rossini jovem em que a vocação do operista já está aparente - os galopes característicos e os efeitos de coloratura dos movimentos externos; a escrita vocal na cantilena do Largo -, mas no qual é também visível a influência mozartiana: afinal, o professor de Gioachino não o apelidou de "Il Tedeschino" por causa da sua paixão por Mozart? A boa execução do fagotista Patrick de Ritis e a regência de Tortelier - divertida, no tom circense de Khatchaturián; elegante no classicismo rossiniano - fez da primeira parte uma introdução agradável a um concerto em que o atrativo principal estava na excelente leitura dada à obra de Sibelius.

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