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Toda Hilda

Com estreia hoje do monólogo Hilda Hilst - O Espírito da Coisa, a atriz Rosaly Papadopol inicia resgate da vida e obra da poeta

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Na madrugada de um domingo de 1998, a atriz Rosaly Papadopol foi acordada pelo telefonema da colega e também diretora Imara Reis. "Ela estava em estado de êxtase, animada por uma matéria de jornal publicada naquele dia sobre a obra da poeta Hilda Hilst", relembra Rosaly. "Em meio àquela euforia, Imara me incentivava a fazer um projeto teatral sobre a obra da Hilda, pois sabia do encantamento que tenho, desde jovem, pelo universo apaixonante da poeta." Foi o início de um projeto desprezado por patrocinadores mas devidamente acariciado pela atriz que, 11 anos depois, chega, enfim, ao palco do Teatro do Centro da Terra, onde estreia hoje o monólogo Hilda Hilst - O Espírito da Coisa. E o esforço foi tamanho que, além do espetáculo, a noite de hoje marca o início de uma série de homenagens, que vai contar com exposição, mostra de filmes, palestras, recital de música, montagens teatrais e leituras dramáticas, sempre no espaço do Centro da Terra (confira programação no quadro). "É tudo fruto de uma necessidade de valorizar o trabalho da Hilda que, apesar do reconhecimento da crítica, sentia falta da atenção dos leitores", conta Rosaly. De fato, embora incluída pelo crítico Anatol Rosenfeld no restrito grupo de escritores capazes de praticar com competência a poesia lírica, a dramaturgia e a prosa de ficção, Hilda Hilst (1930-2004) cristalizou em torno de si a aura de mito que, antes de torná-la popular, a manteve longe do público, graças à incompreensão dos homens. "Hilda é a própria polifonia literária", observa Rosaly. "Sua mistura de gêneros e seu constante fluxo de pensamentos e imaginação nos traz uma obra vasta, profunda e peculiar." A atriz sentiu, no entanto, o mesmo efeito do isolamento amargurado pela poeta - tão logo iniciou o projeto, em 1998, organizando escritos que compusessem um texto teatral, ela foi em busca de apoio financeiro. "Não percebi nenhum interesse. Em alguns casos, aliás, o desconhecimento pela obra dela era tamanho que me perguntavam se Hilda era alemã." Os desacertos continuaram com algumas fatalidades, como a morte, em 2001, da crítica e pesquisadora Maria Lúcia Pereira, que abraçara o projeto logo em seu início. "Sensibilizada por essa perda, arquivei o plano e só retomei o trabalho de pesquisa em 2005." A situação começou a clarear quando, no final daquele ano, Rosaly contatou José Mora Fuentes, escritor e amigo de Hilda Hilst até seus minutos finais, e que hoje coordena o acervo da escritora, transformando sua última moradia, a Casa do Sol, próximo a Campinas, em um instituto cultural. Mora Fuentes não apenas liberou acesso aos escritos de Hilda como forneceu detalhes pessoais de uma mulher que, mesmo na velhice, exibia os traços que, na juventude, a apontavam como uma mulher com a beleza de Ingrid Bergman acrescida da sensualidade de Rita Hayworth, como carinhosamente a descrevia o amigo e editor Massao Ohno. Da pesquisa, Rosaly construiu um texto dramatúrgico que logo recebeu o tratamento de Ruy Cortez e do escritor Gaspar Guimarães. "Quando assumi a direção, há nove meses, Rosaly já vivia intensamente a vida e a obra de Hilda, o que facilitou o trabalho", conta Cortez, disposto, desde o início, a não fazer distinção entre ficção e realidade. "Trabalhamos com a liberdade da metáfora: tudo passa a ser verdadeiro desde que seja poesia." Assim, em um cenário único, é reproduzido o ambiente que marcou os últimos anos de refúgio de Hilda Hilst, espaço onde conviviam livros, plantas, cães, a mesa com a máquina de escrever e os rádios, nos quais a poeta tentava captar, na estática, vozes do além. A cenografia, portanto, criada por André Cortez busca a síntese do espaço urbano e da natureza, no qual vivia a escritora. Concebida por Fábio Retti, a luz do espetáculo ajuda o espectador a acompanhar diversas fases da vida da poeta, desde a juventude (quando herdou a paixão pela palavra do pai Apolônio de Almeida Prado Hilst, também poeta e que sofria de esquizofrenia) até o isolamento no campo. E, em cena, Rosaly Papadopol constrói o delicado retrato de uma mulher criadora de uma poesia poderosa, obscura e luminosa, que refletiu como poucos sobre a natureza do mundo e do homem, seus desejos e solidão, seus pensamentos sobre a morte, a vida, a loucura, o amor. O Evento HOJE - Estréia da peça com abertura, horas antes, da mostra Hilda Hilst - O Espírito da Coisa, às 18 h. Artistas convidadas: Leya Mira Brander, Olga Bilenky e Rochelle Costi. DIA 16 - Ciclo de Palestras: O Porco no Corpo: A Escrita Obscena de Hilda Hilst, com Eliane Robert Moraes, e Hilda Hilst : Uma Poética da Transgressão, com Cláudio Willer. DIA 23 - Ciclo de Palestras: A Poesia Hilstiana: Do Profano ao Sagrado, com Nelly Novaes. DIA 30 - Recital de Música: Prelúdios Intensos para os Desmemoriados do Amor, de Edson Tobinaga, com a cantora Marina Alves. DIA 6 DE JUNHO - Exibição dos filmes de curta-metragem Caderno Rosa de Lori Lamby, de Sung Sfai, e Simplesmente, Hilda, de Ricardo Picchi. DIA 13 DE JUNHO - Leitura Dramática: O Caderno Rosa de Lori Lamby, com Iara Jamra e Miriam Muniz (voz em off), direção de Bete Coelho. DIA 20 DE JUNHO - Leitura Dramática: Agda, direção de Moacyr Ferraz, com as atrizes Gisele Petty, Sandra Pestana e Verônica Fabrinni. DIA 25 DE JUNHO - Espetáculo convidado: A Obscena Senhora D, adaptação de Germano Mello e Susan Damasceno, direção de Donizete Mazonas e Rosi Campos, com Susan Damasceno. DIAS 27 E 28 DE JUNHO - Espetáculo convidado: Jozu, O Encantador de Ratos, direção de Alexandre David, com Carla Tausz. Serviço Hilda Hilst - O Espírito da Coisa. 60 min. 16 anos. Teatro do Centro da Terra. Rua Piracuama, 19, 3675-1595. 6.ª e sáb., 21 h; dom., 20 h. R$ 20 (6.ª), R$ 30 (dom.), R$ 40 (sáb.) Até 28/6

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