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Toda a poética de um jogo de esconde e revela

Masp faz generoso apanhado da trajetória da artista Vera Chaves Barcellos e sua profunda versatilidade em meios como fotografia, gravura, pintura e desenho

Por Maria Hirszman
Atualização:

Em apenas uma semana, o Masp inaugura três novas exposições, de artistas em plena produção, confirmando assim a tendência de abrir cada vez mais seu espaço à experimentação contemporânea. A partir de hoje, o público já pode ver na grande sala do primeiro andar as impactantes pinturas do artista chinês Yang Shaobin (leia ao lado). Semana que vem será a vez da mostra coletiva Onde a Água Encontra a Terra, um encontro de três fotógrafos em torno do tema da água, que já rendeu um livro e uma exposição no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio. E esta noite haverá a abertura, para convidados, da mostra Vera Chaves Barcellos: Imagens em Migração, um generoso apanhado da carreira da artista gaúcha, como jamais foi visto na cidade de São Paulo. Com um número amplo de trabalhos realizados por Vera a partir dos anos 60, representativos das principais fases e caminhos de sua carreira, a exposição não pretende ser uma retrospectiva. A curadora Glória Ferreira procurou imprimir um olhar claro em relação ao percurso da artista, procurando evidenciar sua profunda versatilidade, a capacidade de transitar por diferentes meios e processos agregando novos significados e maneiras de trabalhar a imagem. Essas questões também são abordadas em documentário inédito de Hopi Chapman, produzido para a mostra, e em dois livros que estão sendo preparados para lançamento em outubro: uma longa entrevista com Vera feita por Glória Ferreira e um livro sobre a artista de autoria do crítico francês François Soulages. Fotografia, gravura, pintura, desenho, texto... Os meios explorados por Vera Chaves são amplos e intercambiáveis. De caráter mais poético - característica que a própria artista atribui mais a suas instalações, como O Que Restou da Passagem do Anjo - ou claros exercícios conceituais (como as experiências propostas na antológica série Testarte, com as quais participou da Bienal de Veneza de 1976, as obras todas parecem envolvidas num jogo de esconder e revelar seus processos de ideação e criação. Difícil saber para quem desconhece as técnicas exploradas pela artista que o grande painel de imagens que ocupa, em grande destaque, o centro do segundo subsolo do museu - trabalho também dos anos 70, apelidado de "epiderme" - é na verdade uma montagem de gigantescas ampliações da trama epidérmica de várias partes do corpo humano. Para captá-las ela imprimiu as marcas da pele sobre papel vegetal, utilizando o mesmo procedimento usado para colher as digitais do polegar, e depois as ampliou em grande formato. Aos poucos, é possível reconhecer, ou imaginar a que parte do corpo aquele desenho pertence. Mas não é a representação em si que interessa e sim o enigma em torno da origem desconhecida, da forma como aquela imagem é feita e reinterpretada. "Você não vê o que as fotos revelam", brinca a artista ao mostrar trabalhos da série O Grito, uma tentativa de fixar imagens em movimento de um filme, usando a linguagem fotográfica como meio e normalmente optando por flagrantes de momentos de transição, de cenas borradas e pouco nítidas, mas que preservam com grande intensidade a aura de terror ou espanto da cena. TERRA E ÁGUA A fotografia e a paisagem são os dois grandes fios condutores da exposição Onde a Água Encontra a Terra, que poderá ser vista ao lado da mostra de Vera Chaves Barcellos a partir da próxima quinta para o público. Numa curiosa sintonia temática e uso requintado da linguagem fotográfica, os fotógrafos brasileiros Leonardo Kossoy e Fernando Azevedo e a americana Carol Armstrong trazem ricos e diversos exercícios em torno de uma mesma questão, mostrando que interesse comum não quer dizer, de forma alguma, redundância. Enquanto a pesquisadora americana se dedica a uma investigação muito vinculada à questão do feminismo - com direito a retorno à belíssima imagem fotográfica da mítica Lucrecia -, Azevedo se encanta com uma abordagem mais conceitual da linguagem fotográfica e Kossoy se deixa seduzir pela beleza sedutora da paisagem que não é nem água, nem terra. Pode-se dizer que Azevedo tem um papel aglutinador nesse processo. De certa forma ele é o elo entre Carol - de quem foi aluno -, Kossoy e também Paulo Herkenhoff, responsável pela curadoria da exposição e autor do livro homônimo lançado ano passado pela G. Ermakoff Casa Editorial.

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