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Textos curtos escondem grandes verdades

Arte e Letra: Estórias oferece, a cada três meses, narrativas inéditas ou pouco conhecidas de autores consagrados

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Por Ubiratan Brasil
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A revista literária Arte e Letra: Estórias nasceu, como reconhecem os próprios fundadores, na contramão do mercado. Afinal, Irinêo Netto e Thiago Tizzot investiram tempo e dinheiro em um produto que habitualmente nasce com o atestado de óbito já preenchido. Felizmente, não é o que acontece com a publicação. Com periodicidade trimestral, acaba de sair o terceiro número (ou Edição C, como preferem os editores, substituindo algarismos por letras), que chega com o mesmo fôlego das anteriores. Formada por textos de ficção e não-ficção, produzidos por brasileiros e estrangeiros, inéditos ou fora de circulação há algum tempo, a Arte e Letra: Estórias traz agora apenas contos. E, de quebra, um presente para os fãs de Paul Auster: O Conto de Natal de Auggie Wren, história inédita no Brasil que o escritor escreveu nos anos 1990, a pedido do jornal The New York Times. Habilidoso no jogo de perspectivas com que envolve o leitor, Auster conduz a história a partir de um narrador que relata o que ouviu de Auggie Wren, balconista de uma tabacaria nova-iorquina, que revela como conseguiu sua máquina fotográfica. Nada é o que parece ser. Outra jóia preciosa é o conto Pontes Como Lebres, também inédito nas páginas brasileiras, escrito pelo veterano uruguaio Mario Benedetti. Um dos mais importantes nomes da literatura latina atual, ele se revela um obcecado pelas questões centrais da sobrevivência, desde relações amorosas até rituais burocráticos que cercam a vida profissional. No conto, Benedetti aproveita a descrição de uma rápida viagem pelo Uruguai para revelar seus próprios demônios. Tornou-se tradição, aliás, o fato de a Arte e Letra: Estórias adiantar textos ou publicar inéditos. A primeira edição, por exemplo, lançada em março, trazia uma rara experimentação de Cristóvão Tezza no conto Um Dia Ruim. O ponto de partida é ótimo - Alice (mais tarde rebatizada de Beatriz) tenta reestruturar sua vida após um casamento falido utilizando seus melhores recursos: a habilidade com as letras. Depois de publicar um anúncio em jornal oferecendo assessoria na produção de textos, ela começa a receber pedidos bizarros. Como a de uma velha senhora, disposta a confessar o assassinato do marido traidor. O cardápio veio mais sortido no segundo número (ou edição B). Além de textos de H.L. Mencken, J.M. Coetzee, Luigi Pirandello, Machado de Assis e G.K. Chesterton, a revista trouxe um trabalho de David Foster Wallace, um dos grandes nomes da nova literatura norte-americana, que foi encontrado enforcado em sua casa na Califórnia, em setembro. Ele estava com apenas 46 anos. Com um livro já publicado aqui pela Companhia das Letras (Breves Entrevistas com Homens Hediondos), Wallace é autor de um ensaio sobre David Lynch que figura no livro A Supposedly Fun Thing I?ll Never Do Again. Imperdível. "A idéia básica é abastecer os leitores de estórias, supondo que uma revista com vários textos mais curtos do que um livro, capaz de apresentar novos autores, publicar contos inéditos, ensaios e traduções de obras que nunca foram lidas em português (mas precisam ser), pode ser atraente", escrevem os editores no prefácio do primeiro número. "Irresistível até." A dupla, aliás, apóia-se na linha de raciocínio do argentino Ricardo Piglia, para quem uma narrativa curta sempre conta duas histórias: uma visível que esconde outra, invisível. "O conto reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta", afirma Piglia. Vem daí, portanto, a acertada opção editorial de Arte e Letra: Estórias - apesar de breves, seus textos exibem um fôlego invejável, capaz de tanto estimular a leitura da obra dos escritores selecionados como também induzir à reflexão. Colabora ainda a opção gráfica, que prefere ilustrações com um traço antigo, sem grandes rebuscamentos, mas de indisfarçável bom humor. O necessário para manter a elegância das páginas. Vendida ao preço de R$ 16,50, a revista pode ser encontrada em algumas livrarias de São Paulo, como Livraria da Vila, na Livraria Sobrado, Pop e Leitura Dinâmica. Outra opção é encomendar pela internet (www.arteeletra.com.br/estorias). Nessa opção, será acrescido um valor de entrega pelo correio.

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