Tensão e evanescência em mostra de Iran do Espírito Santo

Artista inaugura exposição na Galeria Fortes Vilaça e lança livro sobre sua produção de desenhos

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Por Camila Molina
Atualização:

Na Galeria Fortes Vilaça, Base Fixa, obra inédita de Iran do Espírito Santo, é composta por quatro conjuntos escultóricos que representam parafusos e roscas acoplados e 18 vezes maiores que o modelo original das peças. Feitos em aço inoxidável, perfeitamente polidos, os objetos (pesando, cada grupo, 260 quilos, o que dá, ao todo, mais de 1 tonelada) acabaram suscitando uma metáfora que, a princípio, não era prevista, como diz o artista, mas que foi tomando, aos poucos, uma força importante, ele completa – a obra desperta a reflexão sobre a contradição que existe entre ação e estagnação.

“Se, por um lado, o desenho espiralado da rosca contém o movimento helicoidal infinito de uma figura matemática, por outro lado, a materialidade ostensiva da escultura fixa o movimento, restando a tensão entre as forças de avanço e de retrocesso”, define Iran do Espírito Santo no texto que escreveu para acompanhar a mostra Fuso, que ele inaugura neste sábado, 19, em São Paulo.

A obra 'Base Fixa', de Iran do Espírito Santo, na Galeria Fortes Vilaça Foto: SERGIO CASTRO|ESTADÃO

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“Contraposição talvez seja um fator bem forte dessa exposição”, afirma o artista. Se Base Fixa, instalada na sala térrea da Fortes Vilaça, sugere as ideias de peso e fixação – já que as esculturas são como “âncoras” presas ao solo –, o piso superior é, como assinala Iran do Espírito Santo, um espaço de “evanescência”.

No andar de cima da galeria, o cristal sólido da peça escultórica Cúpula, que une as possibilidades de ser transparente e de refletir o local, e as gradações de 40 tons de cinza das duas pinturas feitas sobre as paredes e que formam o trabalho Fuso (que dá título à individual do artista) levam o espectador a um lugar de suspensão e contemplação. 

Entretanto, de alguma forma, não é possível simplesmente se deixar levar por esse estado de abstração proposto no mezanino sem pensar que, lá embaixo, Base Fixa, com sua materialidade e suas significações, fala do que está densamente atado ao chão.

Na verdade, como explica Iran do Espírito Santo, os três trabalhos que compõem a exposição – poética e política – são independentes e têm, cada um, sua autonomia. Mas, ao serem reunidos agora, tratam, como afirma, de diferentes “formas de interpretação do tempo”.

O artista Iran do Espírito Santo, que inaugura a mostra 'Fuso' Foto: SERGIO CASTRO|ESTADÃO

Na sala térrea, os parafusos e roscas agigantados em Base Fixa referem-se, explica Iran, ao “tempo pragmático” com suas menções ao que é mecânico e industrial (à “força de trabalho”, inegavelmente) e ao conflito entre a ideia de movimento e estagnação. Mais ainda, as esculturas de aço inoxidável estão instaladas no espaço de maneira a demarcar um quadrado imaginário no local. “Para mim, isso foi a tentativa de criação de uma praça ou de um chão de fábrica”, comenta. “Acho que tem essas associações”, completa.

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Já as pinturas da obra Fuso, contrapostas em duas grandes paredes do mezanino, representam o dia e a noite, mesmo que abstratas e minimalistas – nelas, um retângulo central desdobra-se, gradualmente, em outros retângulos em diferentes tons de cinza criando um “espaço ilusório”. “São como representantes do tempo cósmico, do qual a gente vive, dentro dessa incontingência”, afirma o artista, que já realizou outras versões desse trabalho, sempre relacionado à arquitetura.

Por fim, a intrigante Cúpula, baseada formalmente e metaforicamente nas cúpulas de relógios antigos – “esse objeto pode estar associado a funções como a proteção de coisas frágeis e valiosas” –, fala do “tempo existencial”, explica Iran do Espírito Santo. “O cristal, em sua versão sólida, indica, talvez, uma cristalização paralisante pela suspensão de um tempo pragmático, por via da contemplação de um ícone vazio”, escreve sobre a obra, inédita no Brasil.

IRAN DO ESPÍRITO SANTO – FUSO Galeria Fortes Vilaça. Rua Fradique Coutinho, 1.500, tel. 3032-7066. 3ª a 6ª, 10h/19h; sáb., <TB>10h/18h. Até 30/4. Abertura sábado, (19), 14h

'Sem título (Bloco de Tijolos)', desenho de 1990 Foto: John Wronn|MoMA|Divulgação

Desenhos

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A abertura da mostra Fuso marca também o lançamento do livro Iran do Espírito Santo / Desenhos / Drawings, editado pela Cobogó. Com texto de Jacopo Crivelli Visconti, a publicação traz uma seleção de 130 criações gráficas e aquarelas do artista datadas de desde a década de 1980, como a série Conteúdo (1989) até trabalhos recentes.

“Minha aproximação com a arte se deu com o desenho”, conta Iran do Espírito Santo. A edição nasceu da realização em 2013 de uma exposição dedicada a seus trabalhos do gênero na Galeria Fortes Vilaça. “Quis mostrar essa produção para contribuir para o entendimento do meu trabalho como um todo”, afirma.

IRAN DO ESPÍRITO SANTO / DESENHOS / DRAWINGS Texto: Jacopo Crivelli Visconti Editora: Cobogó (240 págs., R$ 150)]

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