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Tecnologia pode redefinir ato de criar

Para o norte-americano Nick Montfort, do MIT, novidades da web são plataformas viáveis para o desenvolvimento da escrita

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Por Ubiratan Brasil
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O americano Nick Montfort cultivou a paixão pela literatura ao mesmo tempo em que descobria os mistérios da computação. O cruzamento de interesses tornou-o professor de mídia digital do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Lá, pesquisa ficção interativa, como o projeto Implementation, pequenos romances impressos em adesivos e colados em vários locais do planeta (aeroportos, bancos de praça, etc.). Para ele, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar já experimentavam literatura sequencial, como conta na seguinte entrevista, realizada por e-mail. Como explicaria seu trabalho? Meus principais interesses são computação e linguagem. Por isso, muitas vezes escrevo programas de computador que tratam da linguagem de uma maneira criativa em certos aspectos. Alguns desses programas são ficções interativas que simulam mundos, representados em um texto. Na realidade, estou concluindo um sistema de desenvolvimento de ficção interativa chamado Curveship. Em outros programas, tento explorar como um programa de computador pode ser simples e ainda gerar contos e poemas. Alguns se assemelham mais a documentos digitais - hipertextos, vídeos digitais e poemas que se libertaram da página impressa e podem ser encontrados em e-journals. Escrevo também textos ''convencionais'' empregando muitas vezes formas inusitadas (por exemplo, o enigma literário ou a mensagem SMS de celular) e restrições e técnicas originárias da vanguarda que são matemáticas ou computacionais. De que modo a narrativa e novas formas de comunicação que apresentam as possibilidades dos hiperlinks assemelham-se à ficção interativa? Hipertexto e ficção interativa assemelham-se de certo modo. São formas do século 20 que, num sentido prático, foram ativadas pelo computador, e permitem ao leitor avançar mediante uma interface, em lugar de virar as páginas ou ouvir alguém lendo. Evidentemente, há consideráveis diferenças em termos formais e em seu conteúdo. O hipertexto conecta um texto numa nova superfície estranha, uma maravilhosa oportunidade para os escritores que estão interessados no jogo da linguagem nesse nível. A ficção interativa proporciona uma simulação subjacente, como uma simulação científica ou o videogame, e oferece muitas possibilidades para os que querem criar novos sistemas estranhos subjacentes. Mas ambos fazem parte do projeto da literatura eletrônica e do uso do poder do computador para tentar levar a literatura um passo adiante. A propósito, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar já trabalharam com uma espécie de hipertexto. Sou um grande fã do Borges fantástico e do matemático (que descreveu um hipertexto no conto O Jardim de Caminhos Que se Bifurcam) e de Cortázar (que criou um hipertexto em O Jogo da Amarelinha). Eu e Noah Wardrip-Fruin editamos The New Media Reader, um livro que cobre a história da nova mídia desde a 2ª Guerra Mundial até a World Wide Web, e decidimos incluir O Jardim de Caminhos Que se Bifurcam como nossa primeira escolha. Acho que esses autores são leituras essenciais para os que querem trabalhar hoje com literatura multissequencial. É possível prever o futuro da literatura tradicional no meio de blogs, twitters, etc.? Se blogs e twitters se mostrarem adequados por um tempo suficiente (acho que ao menos os blogs estão indo muito bem neste sentido), haverá literatura escrita nessas formas, nesses sistemas. Mas acredito que o livro tradicional também contribui para o trabalho que fazemos na mídia digital. O blog e a mensagem de 140 caracteres são formas perfeitamente viáveis, mas alguns tópicos, alguns conceitos, algumas experiências só podem ser tratadas no formato de um romance ou do poema com a extensão de um livro. A literatura digital deveria despertar a atenção contínua que um leitor de livro tem, e deveria poder elaborar e explorar na mesma profundidade de um livro. O que seria o projeto Implementation? Quais são os aspectos que o determinam como projeto literário? Implementation é um romance sobre a guerra psicológica, o imperialismo americano, sexo, terror, identidade e a ideia de lugar, e eu e o meu coautor, Scott Rettberg, o pensamos como tal desde o começo. Nós, assim como outros, colocamos textos, impressos em etiquetas como de correspondência, em superfícies expostas ao público no mundo inteiro. Ele foi ''publicado'' como uma arte em adesivo, mas decidimos colocar nas nossas etiquetas arte verbal, fragmentos de um romance. Queríamos que as pessoas se sentissem intrigadas e provocadas pela experiência da leitura, mesmo que vissem apenas um adesivo. Mas esperávamos que algumas pessoas encontrassem outras, na rua ou na internet, na qual agora temos mais de 1.600 fotos graças a muitos participantes anônimos. O que não incluímos foi um URL sobre os adesivos. Tínhamos a impressão de que isso os transformaria numa espécie de anúncio do nosso site na internet e não um texto literário. A convergência de mídias é um destino inevitável? Permita-me reformular a pergunta: acaso a poesia sonora e os livros de artistas ''convergirão'' com outros tipos de mídia digital? Suponho que já temos condições de ouvir poemas sonoros e olhar online a documentação de livros de artistas. Mas as práticas de criação desses dois tipos diferentes de trabalho permanecerão distintas uma da outra e da prática da mídia digital, e os canais através dos quais experimentamos essas formas diferentes também permanecerão separados. Acho que a verdadeira ''convergência'' deverá afetar mais provavelmente as práticas de criação da mídia de massa que já são extremamente industrializadas. Romancistas, pintores e músicos não ''convergirão'' tão cedo, embora possam aceitar desafios e descobrir novas formas de praticar a própria arte.

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