Teatro, tipo assim, para a galera

Dramaturgos e diretores opinam sobre os segredos e as agruras de produzir peças para adolescentes

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Por Dib Carneiro Neto
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Jovens e teatro: eis uma combinação que deveria ser eletrizante. Mas será que rola mesmo? Na época da adolescência, período conturbado em que mais se questionam os valores, os sonhos, as identidades e o sentido da vida, o teatro, pelo que contém de vivo e revolucionário, poderia ser o canal ideal para a moçada buscar pelas respostas mais cabeludas. Tá ligado? O tema vai ser contemplado nos seminários que começam hoje na Galeria Olido e prosseguem no Centro Cultural Arte em Construção, em Cidade Tiradentes, como parte do 1º Encontro Comunitário de Teatro Jovem da Cidade de São Paulo (leia na página seguinte). A reportagem do Estado também foi conversar com criadores, dramaturgos e diretores sobre esse tema. "Há ótimas peças para jovens (que também vão agradar a adultos) em cartaz atualmente em São Paulo", atesta uma especialista, Bia Rosenberg, jurada do único prêmio paulistano voltado exclusivamente para esse setor, o Prêmio Femsa de Teatro Jovem. "Acho importante que os espetáculos já se apresentem com uma especificação do tipo ?para jovens?, porque isso pode provocar curiosidade na faixa etária", diz ela, que também é respeitada na área de televisão, como autora do livro A TV Que Seu Filho Vê - Como Usar a Televisão no Desenvolvimento da Criança (Panda Books). "Teatro não pode ser chato", dispara Marcos Ferraz, co-autor do espetáculo Sessão da Tarde ou Você Não Soube me Amar, atualmente em cartaz no teatro do Clube Caravaggio, e que já fez várias outras temporadas atraindo jovens para as histórias de amor, brigas e disputas na trajetória de uma banda que busca o sucesso a qualquer custo. "Há que se ter muito rigor na dinâmica de uma peça", diz ele. "Existe o mito de que o jovem não tem paciência e que precisa de agilidade, mas essa rapidez só funciona no teatro se vem intercalada com momentos de reflexão. O fundamental, mesmo, é que o jovem se veja representado ali. Quando Shakespeare escreveu Romeu e Julieta, não havia no mundo nem o conceito de juventude, mas quem duvida que seja um texto para jovens? Aqueles meninos apaixonados são os condutores da história. Em qualquer lugar do mundo em que se esteja montando Romeu e Julieta, a quantidade de jovens na platéia e no palco é sempre muito grande." Será que existem truques dramatúrgicos que um autor de teatro tem de dominar para fisgar o interesse dos jovens? "É preciso ouvir o jovem e falar com ele sem nenhum cinismo", responde Antônio Rogério Toscano, autor da premiada Os Meninos e as Pedras e da recente O Pássaro Azul, ambas para adolescentes e ambas em cartaz no Teatro Fábrica. " Também penso que é fundamental lembrarmos dos jovens que nós fomos: espertos, cheios de sonhos, abertos ao que viria. O ritmo das peças tem de ser dado pela tentativa de entrar em contato com a geração do jovem de agora." Toscano conta que O Pássaro Azul tem "tempo lírico, muito mais lento do que o de videoclipe, somente flautas tocando ao vivo na trilha, luz escura de lâmpada incandescente e texto altamente poético de Maëterlinck". E a galera? "As respostas deles são incríveis, eles são devorados pelo espetáculo, vão ao encontro do desconhecido do passado como forma de identificação intensa com seus anseios futuros, com o que ainda não foi visto." Para Sérgio Roveri, outro autor que tem se dedicado com sucesso a essa faixa etária, é errado achar que um jovem vai ao teatro em busca das mesmas linguagens que já domina no seu computador, nos celulares, nos i-pods. "Prefiro acreditar que ele esteja atrás de outra narrativa, de uma nova experiência sensorial, outra linguagem. O teatro jovem precisa se convencer de que sua mercadoria de troca e sedução com a platéia é outra. O segredo para sua longevidade não está necessariamente na tecnologia, mas sim na velha, boa e ainda eficaz prática de contar uma boa história", diz ele, autor de Cidadão de Papel, em cartaz no Espaço dos Satyros Um. "É engraçado como tudo é para o jovem, o cinema, o tênis, a roupa, o cereal, mas o teatro não", comenta, por sua vez, Djalma de Lima, autor e diretor do espetáculo juvenil Smack! Foi um Beijo Tipo Assim..., em cartaz no primeiro semestre com grande sucesso no Centro Cultural São Paulo. "A criança é empurrada para o teatro pelos pais, professores, pela escola. O adulto culto vai ao teatro socialmente. Mas o adolescente, ninguém manda nele. Ninguém pode obrigá-lo a entrar em uma sala e ver um espetáculo. O que é ótimo, pois vai ver o que quer, sem imposição social. Talvez seja por isso que seja tão difícil levar esse segmento ao teatro. Os produtores deveriam perceber esse mercado cativo e investir em bons autores e diretores que sabem lidar com os temas juvenis." Autor de um sucesso persistente no teatro paulistano, Carro de Paulista, e agora atraindo multidões para o Sesi com o divertido O Médico e os Monstros, o dramaturgo Mário Viana comenta: "Quando se começa a escrever um texto específico para o público jovem, a tendência do autor é pensar em algo mais edificante, alguma peça com mensagem. É natural pensar isso nos primeiros diálogos, mas o importante mesmo é deixar essa sensação passar. O mundo atual desagrada tanto jovens como adultos, mas a diferença é que o jovem tem esperança de mudar alguma coisa. Um texto adulto pode cair na desesperança, no desânimo. Um texto para jovens, não." Mário Viana brinca: "Exceto nossas crianças (filhos, sobrinhos), os jovens crescem. E mais: pensam por conta própria. Eles têm uma visão de mundo e é com ela que você vai lidar nos próximos 90 minutos. Posar de sábio é barca furada." Em O Médico e os Monstros, alguns personagens usam gírias contemporâneas e há até uma cena em que Mister Hyde aparece ouvindo um i-pod. "Isso vai contra o livro de Robert Louis Stevenson? Eu não acho. Importante é encontrar o ponto certo de juntar as diversas linguagens", pontifica Viana. Outro adaptador, Amauri Falsetti, da cia. Paidéia, atualmente em cartaz com um D.Quixote voltado para adolescentes, diz que nunca se deve esquecer do humor, mesmo quando o tema for trágico, nem abrir mão de diálogos curtos, leves e inteligentes. "Espelhar-se em Shakespeare é garantia de se dar bem com o público jovem", acha ele, confirmando a vivacidade perene da obra do bardo. Na sua direção de D.Quixote, com texto do alemão Lutz Hubner, Falsetti valoriza "o desvio do personagem, o seu não-lugar", características que, segundo ele, são da adolescência. "Ao sonhar e buscar viver a todo custo o seu sonho, repare como o Quixote ?se acha?, exatamente como na linguagem de hoje dos jovens", compara o diretor. Fernando Bonassi se debruçou recentemente sobre a adaptação de Romeu e Julieta, de Shakespeare, resultando no espetáculo Sacrifício, também em cartaz no Teatro Popular do Sesi. "A idéia é que atores e público sintam a vibração shakespeariana do amor, mas sempre às luzes do presente", diz Bonassi. "O espetáculo fala com a moçada de agora, do mesmo jeito que o velho inglês falou com a moçada de Londres de seu tempo." Para Bonassi, o segredo é escrever com verdade, porque a juventude "sente o cheiro da mentira e do moralismo". Ele explica: "Depois que se tornam adultos, ficam bobos, mas, enquanto jovens, sabem farejar a verdade e a atitude. Toda babaquice naufraga com esse público. E toda ousadia vinga, triunfa. Quem alguma vez ouviu Jimi Hendrix e Renato Russo sabe disso."

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