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Teatro primitivo de festa e libertação

Grupo argentino traz a São Paulo Fuerzabruta, espetáculo comparável a ataque relâmpago de vertigem, água e prazer

Por Tonica Chagas e NOVA YORK
Atualização:

O DJ solta o som, o espaço se enche de fumaça e a visão se desorienta na pulsação das luzes estroboscópicas. Nesse clima de rave e com a determinação de alguém disposto a acertar contas, um homem de terno claro caminha sobre uma esteira rolante acima da platéia. A velocidade da máquina aumenta a ponto de ele perder o chão. E voar, suspenso por cabos de aço. A partir daí, nos 70 minutos seguintes a platéia vai ser surpreendida pela sucessão vertiginosa das imagens de sonho (ou pesadelo) de Fuerzabruta, espetáculo que criadores do De La Guarda, grupo argentino visto em São Paulo em 2004, vão mostrar agora na cidade. Fuerzabruta é a materialização das idéias de Diqui James, portenho de 43 anos que formou sua primeira companhia de teatro, La Organización Negra, em 1985. Em 1996, com Pichón Baldinu e Gaby Kerpel, amigos do Conservatório de Arte Dramática de Buenos Aires, ele criou o De La Guarda, com o qual transformou Villa Villa num dos maiores sucessos mundiais do teatro latino-americano. A montagem que estreou em Nova York em junho de 1998, com previsão de três meses de apresentação, ficou em cartaz até setembro de 2004, no Daryl Roth Theatre. Em 2002, com mais seis integrantes do De La Guarda, Diqui fundou o Fuerzabruta, grupo com integrantes argentinos que dá nome ao espetáculo, estreou turnê internacional em Lisboa, em 2005, e já foi visto em Londres, México, Bogotá, Edimburgo, Cordoba e Berlim. É a companhia argentina que vai se apresentar no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, do dia 24 até 12 de outubro. Em Nova York, no mesmo teatro onde Villa Villa fez história, uma companhia formada por atores e técnicos de vários países está em cartaz com a montagem de Fuerzabruta, que estreou na cidade em outubro do ano passado e ainda não tem data para encerrar temporada. O Times de Londres chamou Fuerzabruta de blitzkrieg teatral, comparando-o à ofensiva de ataques relâmpagos combinados, por terra e ar, usada pelos alemães na 2ª Guerra. Mas é um ataque de força bruta com real teor de beleza, prazeroso a todos os sentidos. Num espaço onde as leis físicas são diferentes e os atores passam boa parte do tempo no ar, até uma piscina transparente paira sobre as pessoas feito disco voador. "Procuramos ocupar todo o espaço e o ar é a nossa ferramenta", resume Diqui, o criador e diretor artístico do espetáculo, em entrevista ao Estado. Como em Villa Villa, a peça apresentada quatro anos atrás, o público fica em pé, olhando para cima, recebe jatos de água e tem de se movimentar constantemente, à medida que é bombardeado pela seqüência de cenas dissociadas. Elas têm como fio condutor o homem em sua caminhada sobre a esteira. Por ele passam outras pessoas e objetos num compasso quase impossível de ser mantido sem colisões. Quase ao mesmo tempo, surgem ainda outros cenários em outros tablados. Num deles, por exemplo, vê-se uma murga, teatro popular típico do Uruguai e da Argentina, que acaba num quebra-quebra. "Nós, argentinos, gostamos de sair quebrando tudo quando estamos felizes", explica Diqui. Por isso, apesar da constante luta contra obstáculos e impossibilidades que delineiam as cenas, Fuerzabruta, segundo seu criador, "é um ritual festivo e liberador". A surpresa não deixa muito tempo para se pensar sobre as cenas. E, também como em Villa Villa, há um relato desenvolvido apenas por movimentos, mas não há uma narrativa. "Tentamos fazer o espectador ver tudo como criança, sem idéias preestabelecidas, para que cada um arme sua história", explica Diqui. "Não somos intelectuais e, por isso, tudo é muito físico. Costumo dizer que este é um teatro primitivo, realizado com tecnologia avançada." As cenas do "teatro primitivo" de Diqui surgem de estímulos, como sua impaciência em esperar na fila de uma agência bancária para pagar a conta de luz. "A vontade não é só de sair da agência", conta ele. "Olhando para a rua através de imensas paredes de vidro, dá vontade é de sair pelas paredes." Coube ao diretor técnico, Alejandro García, que vem solucionando as idéias criadas por Diqui desde seus primeiros trabalhos, traduzir esse desejo numa das cenas de Fuerzabruta. A contra-regragem é um show de precisão paralelo às cenas do espetáculo, que requer engenharia nada barata. Mais de 50 técnicos e auxiliares são responsáveis pelo empurra-puxa e sobe-desce de praticáveis que sustentam elevadores, armações de metal que despencam ou cortinas e velas de plástico metalizado que avançam e recuam como um tsunami. Um dos trabalhos mais delicados e tensos é mudar os cenários e, ao mesmo tempo, sustentar e dirigir os cabos presos aos atores enquanto eles saltam, correm, rodopiam ou se atiram no alto das paredes. "Foi a parte mais complicada e demorada da concepção", conta o diretor artístico. No website do espetáculo (fuerzabruta.net), há um capítulo sobre técnica ilustrando como é que esse show à parte dá certo.

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