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Sutileza de efeitos em Debussy

À frente da Osesp, Ira Levin mostra afinidade com o autor

Por Lauro Machado Coelho
Atualização:

Com Catfish Row, a suíte que Gershwin extraiu de sua ópera Porgy and Bess, Ira Levin deu início à sua apresentação de quinta, à frente da Osesp. O brilho da orquestração e os temas familiares dessa partitura precederam outra popularíssima peça de Gershwin, que o atual titular da Orquestra de Brasília interpretou como regente e solista: a Rhapsody in Blue. O voluptuoso glissando da clarineta com que esse scherzo para piano e orquestra se inicia deu o tom do que seria a interpretação rica em coloridos e inflexões jazzísticas dessa peça, na qual se destacou a longa cadência para o solista, que Levin desenvolveu com elegante desenvoltura ''improvisatória''. Colocar a Rapsódia, em que Gershwin captura a essência da música popular americana, no mesmo programa com compositores franceses do início do século 20 foi uma opção interessante, na medida em que, na escrita do americano, há mais de um sinal de que ele estava atento ao que acontecia na escola francesa dita ''impressionista''. Encerrando a primeira parte, o pianista Levin ofereceu à platéia, como extra, uma exuberante leitura da verdadeira cascata de alegres efeitos virtuosísticos que é a Tarantella, de Franz Liszt. Mas foi a segunda parte, pelo seu senso de estilo e pelo rendimento extraído da orquestra, o que a apresentação teve de mais gratificante. Em Nuages - o primeiro dos Nocturnes de Debussy - cantarolado de forma extremamente introspectiva, o tema do corne inglês, que se repete contra uma trama de cordas muito divididas, foi tratado com extremo refinamento. A elegância estática desse primeiro noturno contrastou com a extrema mobilidade e fluência de texturas que Levin imprimiu ao perpetuum mobile das tercinas no início de Fêtes. A dramaticidade da fanfarra das trompas em surdina, no meio do movimento, levou de volta à agilidade da seção inicial, tratada com a mão leve e a sutileza de efeitos que a escrita partitura requer. Para as Sirènes, as vozes do coral da Osesp contribuíram construindo o fluxo e refluxo das sensuais ondas polirrítmicas que fazem do coro um imenso instrumento da orquestra. E a afinidade com as sutilezas do repertório francês confirmou-se no que foi o ponto alto da apresentação: a segunda suíte de Bacchus et Ariane, de Roussel. O belo solo de viola que, no Andante inicial, sugere o sono e o despertar de Ariadne; o magnífico scherzo do Allegro, com sua variedade de coloridos; a sensualidade politonal do Enchantment dionysiaque; o lirismo transbordante da Danse d''Ariane, bêbada de vinho e de paixão pelo deus - nas mãos de Ira Levin, a Osesp respondeu de forma soberba às exigências de uma partitura que, à riqueza sonora, soma harmonias insólitas e as inflexões viris de uma rítmica às vezes muito musculosa.

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