Stones, de Israel, abre o Cena Contemporânea

Mostra internacional que começou na terça ao ar livre, sob o céu estrelado de Brasília, vai apresentar quase 30 espetáculos

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Por Beth Néspoli
Atualização:

No mundo inteiro, as melhores mostras de teatro não são competitivas. Importante nos festivais de artes cênicas é a troca de idéias que propiciam e a possibilidade de ver em conjunto, em tempo concentrado, boas criações de uma arte que, por natureza, não se desloca com facilidade. Quando tudo vira produto para consumo, o teatro ainda é arte que não se pode comprar e levar para casa. É feita para fruição coletiva, em tempo real, encontro de gente. Sob o amplo céu estrelado de Brasília, um desses grandes encontros começou anteontem com a apresentação do espetáculo Stones, de Israel, que abriu a programação da 9ª edição do Cena Contemporânea, o festival internacional de artes cênicas da Capital Federal. Ao longo de 13 dias, a cidade será palco de 11 espetáculos internacionais (de países como Portugal, Espanha, Itália, Venezuela, Alemanha e Peru), 11 nacionais e 7 locais, de diferentes linguagens e para públicos todas as idades, que podem ser acompanhados em palcos de Brasília e em cidades-satélites como Ceilândia e Taguatinga. Não por acaso, ao subir no palco na noite de abertura, o ator Guilherme Reis, diretor do Cena Contemporânea, falou, sem se dar conta, em ?13 semanas? de programação, em vez de ?dias?, num ato falho revelador da intensidade de seu entusiasmo e, certamente, da dificuldade de transpor obstáculos para tal realização. Mas bastidores era o que menos interessavam ao espectador que se acomodou em cadeiras de plástico e no chão para ver Stones no palco armado em frente do Museu da República. Logo ficou claro o sentido dessa escolha, pois o espaço público era a um só tempo cenário e tema do espetáculo. O despertar das ?pedras? do título é a ação do grupo que busca reavivar a memória coletiva que pode estar adormecida numa estátua instalada na Praça. No palco, os atores do grupo Orto-Da, formado em Tel-Aviv em 1996, logo após o assassinato de Yitzhak Rabin, dão vida à escultura criada em 1948, ano da fundação do Estado de Israel, pelo artista Nathan Rapoport, em homenagem aos resistentes do gueto de Varsóvia. A idéia é renovar as cores de uma história que se desbota sob fezes de pássaros - os atores tiram humor da reação dos ?personagens? aos pássaros que obram literalmente sobre suas cabeças. O grupo usa uma linguagem de forte apelo visual aliada à trilha sonora, que mescla sons incidentais com músicas popularizadas pelo cinema. Muitas imagens, todas criadas com o corpo dos atores e alguns poucos elementos cênicos, remetem à guerra e à dor, mas o interessante é que o grupo deixa claro que a mais potente resistência brota não das armas, mas da capacidade de criar e ouvir uma música ou cuidar de uma criança em meio ao caos. E não há só o passado. Diante da TV ou jogando games, o grupo tem comportamento massificado, não muito diferente do que apresenta marchando sob o controle nazista. Nessa remissão ao presente está talvez o melhor do espetáculo. Na mesma noite de abertura, no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, o grupo português Teatro de Marionetes do Porto apresentou Cabaret Molotov. No palco, o grupo reproduz com bonecos os números dos espetáculos de variedades e recria a atmosfera típica do comportamento de artistas populares: um certo tom de decadência, marca externa e mais visível de uma gente boêmia, cuja natureza não combina com submissão às regras rígidas exigidas para fazer sucesso no show business. Os melhores momentos desse espetáculo, dirigido por João Paulo Seara Cardoso, estão na reinvenção que os atores fazem de números clássicos ao tirar proveito das possibilidades das marionetes. Por exemplo, só uma boneca cuja cabeça é uma cabaça, o tronco um graveto e os membros simples varetas manipuladas pelos atores, Edgard Fernandes, Sara Henriques e Sérgio Rolo, pode se dar ao luxo de fazer coreografia com a cabeça sendo literalmente jogada de lá para cá. Claro que só funciona porque o grupo consegue, mais do que simplesmente ?manipular?, criar uma poética feita de dança numa hora, malabarismo e competição em outra. A repórter viajou a convite da organização do evento

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