SP-Foto reavalia o que foi o fotoclubismo

Com a revelação de fotógrafos experimentais modernos, feira online começa hoje e vai até dia 29

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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Em 1939 foi criada em São Paulo uma associação que se tornou referência do fotoclubismo brasileiro, o Foto Clube Bandeirante, lembrado pelo menos por quatro das 50 galerias participantes da feira online SP-Foto Viewing Room, que começa hoje e vai até o dia 29: são elas as galerias Almeida & Dale, Isabel Amado (em parceria com Luciana Brito) e a Utópica, que, inclusive, está com uma exposição online (Três Autores do Sexo Fraco) com fotos excepcionais de três mulheres ligadas ao Bandeirante (Alice Kanji, Annemarie Heinrich e Dulce Carneiro).

Não é difícil explicar a razão de serem nomes pouco conhecidos quando comparados aos artistas que o Foto Clube Bandeirante revelou – só para citar três dos maiores, Geraldo de Barros (1923-1988), German Lorca (1922) e Thomas Farkas (1924-2011), todos com fotos à venda na feira online. O clube não era o do Bolinha, mas as mulheres, vivendo numa época de franco chauvinismo, tiveram dificuldades para se impor entre os pioneiros da moderna fotografia brasileira. E não só elas. Também os fotógrafos amadores de origem humilde eram estranhos no ninho de uma associação de aficionados de classe média e alta, reunidos em torno de uma loja de material fotográfico no centro de São Paulo, embrião do Bandeirante, que, em 1942, promoveu seu primeiro Salão de Fotografia.

Mário Cravo Neto. O sangue na calçado popular e o do Cristo barrocona visão do fotógrafo Foto: Mário Cravo Neto

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German Lorca, entre esses pioneiros, era oriundo de outro meio social (exercia a profissão de contador). Como ele, cita o curador Iatã Canabrava, faziam parte do clube outros fotógrafos de baixo poder aquisitivo que, ainda assim, contribuíram para a evolução da moderna fotografia brasileira. Canabrava selecionou para a mostra virtual da Galeria Almeida & Dale na feira online imagens de fotógrafos que pouca gente conhece ou ainda não viraram febre entre os colecionadores de imagens vintage, dispostos a desembolsar algo em torno de R$ 50 mil por uma foto dos consagrados.

“É impressionante o caso, por exemplo, do fotógrafo Antonio S. Victor, que ingressou no Foto Clube Bandeirante em 1945 e imediatamente despontou nos boletins e salões como um fotógrafo com o olhar voltado para a arquitetura e a cidade”, conta Canabrava. Victor era operário e afrodescendente, chegou a dar aulas de cinema no próprio Bandeirante e a participar de salões internacionais. O curador cita ainda dois outros nomes que, apesar de reconhecidos por seus pares (e até por críticos), caíram no esquecimento: a bióloga Bárbara Mors, que ingressou no Clube em 1948, aos 23 anos, e Armando de Moraes Barros, um dos primeiros a aderir à fotografia abstrata quando entrou no Bandeirante, aos 27 anos, em 1950.

Antonio S. Victor. 'Trabalho' (1951) revela olhar sensível de um operário afrodescendente Foto: Antonio S. Victor

“A imagem de Armando Moraes Barros que está mostra (a foto de uma queimada) deixa claro que sua fotografia, em 1959, ainda mantinha a responsabilidade documental que ele assumiu em seu trabalho mesmo passeando pelos campos do abstracionismo”, observa o curador Iatã Canabrava. Entre os projetos independentes que participam da SP-Foto Viewing Room estão a 01.01 Art Platform e Levante Nacional Trovoa, ambos de São Paulo, além do estreante internacional MFON: Women Photographers of the African Diaspora, de Nova York, coletivo que serve como porta-voz de mulheres afrodescendentes, e também a Piscina Art, de São Paulo, plataforma brasileira que destaca o trabalho de artistas mulheres. O Centro Cultural Veras, de Florianópolis, espaço transdisciplinar, vai promover encontros entre arte contemporânea e ioga na edição online da mostra.

Segundo avaliação da própria diretora da SP-Foto, Fernanda Feitosa, cada edição traz algo de diferente, promovendo o encontro de veteranos e fotógrafos da nova geração para troca de experiências. “Galerias já consolidadas no circuito e fotógrafos conhecidos aparecem ao lado de jovens expositores que estão florescendo e são nossas apostas”, resume Feitosa, destacando o êxito da edição online de outra feira criada e dirigida por ela, a SP-Arte, que teve 56 mil visitantes em sua primeira edição em formato digital em agosto.

Miguel Rio Branco. O cotidiano transformado pelo olhar de um fotógrafo pintor Foto: Miguel Rio Branco

A SP-Foto, ainda segundo a diretora, tem ajudado a promover a fotografia brasileira em países estrangeiros. É fato. Em março do próximo ano, o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) inaugura uma grande mostra, Brazilian Modernist Photography, 1946-1964, que terá 140 fotos de 60 fotógrafos do histórico Foto Clube Bandeirante. A retrospectiva terá como curadora a norte-americana Sarah Meister, que descobriu alguns dos principais fotógrafos modernistas do Brasil na SP-Foto e ajudou a ampliar a coleção da vanguarda brasileira no museu norte-americano. Entre os contemporâneos brasileiros presentes na edição da SP-Foto Viewing Room estão Juvenal Pereira, Luiz Braga e Mário Cravo Neto (1947-2009).

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