Sonia Braga entrevista, a pedido do ‘Estado’, o inquieto Francesco Vezzoli

Exposição 'Francesco Vezzoli Cinerama' está em cartaz na Oca, no Ibirapuera

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Por Ubiratan Brasil
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A obra do italiano Francesco Vezzoli baseia-se principalmente na paródia e em alegorias subversivas, desde fotografia e escultura a trailers satíricos para filmes que jamais serão produzidos. É o que mostra a exposição Francesco Vezzoli Cinerama, em cartaz na Oca, no Ibirapuera.

Entre os trabalhos, destaque para Amália Traída, curta protagonizado por Sonia Braga que vive a rainha do fado. A convite do Estado, Sonia enviou as seguintes questões ao italiano.

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Quando você se formou na St Martins, em Londres, o tema da sua dissertação baseou-se na novela Dancin’ Days, de Gilberto Braga. Por que você escolheu esse assunto?

Eu estava apaixonado pela novela, com os seus personagens com certeza, mas eu quis investigar a fundo e entender por que esse texto visual teve tamanho impacto na minha infância, então comecei aos poucos a perceber que Dancin’ Days era a leitura latina da cultura pop, como uma franquia brasileira do famoso Studio 54. A minha educação italiana e latina, misturada à minha obsessão por Andy Warhol, fez de mim o espectador ideal para a vida da sua personagem Julia Mattos

Quais outras novelas brasileiras você assistiu e como elas entraram na sua vida?

Elas entraram na minha vida da maneira mais óbvia: através da televisão. Mais ou menos na mesma época em que a família Marinho estava redefinindo a cultura pop brasileira, Berlusconi também estava seduzindo o público italiano com sonhos glamourosos similares.

As novelas brasileiras – em especial as de Gilberto Braga, João Emanuel Carneiro e outros – costumam discutir valores da classe média e das elites urbanas brasileiras com humor. Você vê essa influência bem-humorada em sua forma de examinar questões da indústria do entretenimento e, em especial, o universo hollywoodiano?

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Sim, totalmente. Sou fã do trabalho deles, sou fã do Cinema Novo e da música brasileira. Penso que os melhores pensadores criativos do Brasil das décadas passadas conseguiram lidar com temas políticos e sociais com um extraordinário senso de leveza. Chamaria isso de “engajamento tropical”.

Você faz uma crítica da indústria do entretenimento e de Hollywood, mas ao mesmo tempo acabou se tornando um personagem desse cenário, circulando entre nomes muito famosos. Isso compromete sua crítica ou a enriquece, uma vez que passou a conhecer esse universo por dentro? Tem interesse em fazer um trabalho especifico sobre diversidade nessa indústria?

Na verdade, uma vez que passei a ter um relação mais pessoal com algumas dessas estrelas, meu desejo de tê-las como personagens do meu trabalho desapareceu completamente. Um jornalista nunca pode ser muito próximo de seus entrevistados.

O Rio é, resguardadas as proporções, um pouco a Hollywood brasileira. Graças às telenovelas, a cidade se tornou um lugar onde ficam muito evidentes as relações de poder e contrastes sociais que você investiga em algumas de suas obras. Já visitou a cidade? Caso sim, chegou a perceber essa teia social, e num nível mais realista do que nas telenovelas?

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Já visitei o Rio, e agora me arrependo de não ter sido capaz de notar essas diferenças, talvez porque não tive um guia perspicaz que pudesse me apresentar os diferentes círculos sociais da cidade. Mas espero voltar mais e mais e a cada vez com acompanhantes mais espertos.

Que estratégias você precisou usar para chegar aos grandes nomes do cinema e também para convencê-los a participar dos seus projetos? Ouviu muitos “nãos”?

Muitas flores, palavras sinceras de admiração e projetos que honestamente propunham envolver o artista convidado num desafio pessoal e emocional. Felizmente foram muitos “sim” e poucos “não”.

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O seu trabalho vai muito além dos filmes e campanhas fictícios, mas estes formam a base do que pretende mostrar em São Paulo. Por que esse viés?

Penso que teria sido extremamente pretensioso achar que o Brasil já conhece o meu trabalho. Meus vídeos nunca foram exibidos antes aqui. Teria sido um ato de esnobismo estéril mostrar minhas esculturas recentes sem antes dar ao público a chance de entender a trajetória do meu trabalho.

Eu fiz a Amália Rodrigues em um dos seus trabalhos (e adorei!). Já li que você ama música de um modo geral, e a brasileira em particular. Quem são os seus cantores preferidos?

Ainda sou completamente obcecado com os Doces Bárbaros Gil, Gal, Maria Bethânia e Caetano. Eu os vi uma vez cantando juntos no Royal Albert Hall, em Londres, e chorei todo o tempo.

Ao jogar um olhar crítico sobre um determinado universo, você está assumindo uma posição política, um modo de se posicionar no mundo. Qual a função do artista: produzir coisas belas, ser uma voz crítica, ambas as coisas ou nenhuma delas? Ou mirar o futuro, como uma premonição que alerta sobre os problemas sociais?

Algo ali no meio. Um oxímoro. Como um doce bárbaro, como um filósofo tropicalmente engajado num universo de desigualdades chocantes, o artista pode apenas refletir essa ambiguidade.

E em relação a política e políticos, qual a sua posição? O artista deve se envolver em política, assumir posições favoráveis ou contrárias a determinados assuntos, partidos ou governos?

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Katy Perry talvez fosse a única chance real de Hilary Clinton chegar aos jovens eleitores. Estou apenas tentando dizer que artistas em geral só deveriam tomar posição quando a opinião deles puder de fato fazer diferença, do contrário é só um ato inútil de vaidade.FRANCESCO VEZZOLI - ARTISTA E CINEASTA Nasceu em Brescia, na Itália, em 1971, e atualmente mora em Milão. Possui extensa produção audiovisual, incluindo filmes realizados com importantes nomes do cinema e da música, como Sharon Stone, Lady Gaga e Sonia Braga. Também participou de uma série de exposições, individuais e coletivas, pelo mundo. 

FRANCESCO VEZZOLI CINERAMA Oca. Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, Pq. do Ibirapuera. 3ª a dom., 10h/19h. R$ 10. Até 11/12.

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