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Sokurov e sua política do afeto

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há o mistério da atriz Galina Vishnevskaya, que João Luiz Sampaio decifra no texto abaixo. Ela é Alexandra, protagonista absoluta do novo filme de Alexander Sokurov. Para o espectador que busca logo saber a história, digamos que Alexandra é essa velha dama que atravessa a Rússia para visitar o neto, um militar acampado na Chechênia. Sua presença é, a um tempo, simples e imponente, majestosa. O filme é formado pelas conversas de Alexandra com as mulheres chechenas, com os soldados que integram o destacamento do neto, com o próprio neto. Tão importante (mais?) do que aquilo que ela diz são os silêncios e a expressividade do olhar. Galina tem a voz, mas Sokurov faz com que ela represente com os olhos. Assista ao trailer de Alexandra Para o cinéfilo, este 1º de maio é especial. Entram em cartaz dois filmes distantes na geografia, o argentino A Janela, de Carlos Sorín, e o russo Alexandra, de Sokurov, mas que na verdade estão próximos sob múltiplos aspectos. Dois filmes sobre velhos, sobre afetos, sobre o não dito e o interdito. Sokurov se constitui num caso muito interessante do cinema atual. Ele atravessou os anos do declínio do império soviético sonhando com a Rússia eterna, melhor dizendo - nostálgico do antigo regime. Esse antigo regime não era o comunismo, que Sokurov abomina. É algo muito mais antigo - o czarismo? Apesar da sua miséria social, ele produziu gênios da literatura, da música, das artes visuais. Sokurov é poderoso falando sobre relações familiares (Mãe e Filho, Pai e Filho). Sua trilogia dos grandes ditadores do século 20 - Moloch, Taurus e O Sol - é um marco do pensamento político e do estético, mas justamente o filme mais ambicioso do autor talvez seja o nó górdio de sua filmografia, A Arca Russa. Realizado num só plano, A Arca viaja pelo Museu Hermitage como se fosse uma viagem pela história da Rússia. Existem atalhos, passagens secretas - é o mais interessante -, mas o plano-sequência, eliminando o valor da montagem, pode ser considerado uma reação a Sergei M. Eisenstein, cuja grande obra - Greve, O Encouraçado Potemkin e Outubro - é toda ela uma celebração da revolução russa. Eisenstein viveu às turras com o regime instalado na antiga Rússia, a partir de 1917, mas seus maiores filmes não têm outro tema que não a retomada do poder pelos trabalhadores e ele faz do cinema uma arte de montagem, que consiste em organizar as imagens no inconsciente do público. O passeio de Sokurov no Hermitage é um ato antieisensteiniano. Será possível amar Potemkin e A Arca Russa? Responda você mesmo. Independentemente da resposta, e da sua admiração por outros filmes de Sokurov, Alexandra é magnífico. A protagonista atravessa um país em ruínas, a guerra. Cabe um parêntese. A figura da mãe é emblemática no cinema soviético. Primeiro, foi Vsevolod I. Pudvkine que se base baseou em Maximo Gorki para fazer A Mãe, em 1926, contando a história dessa mulher que pega a bandeira da revolução quando seu filho tomba, vítima da repressão do antigo regime. Por volta de 1960, em A Balada do Soldado, de Grigori Chukhrai, o soldado do título atravessa a URSS, durante a 2ª Guerra, para um breve encontro com a mãe. Aqui é o inverso. A avó, duplamente mãe, atravessa a Rússia em busca do neto. O amor a inspira e impulsiona. É um filme de guerra onde não existem vilões nem tiros nem combates. Só poeira e uma política do afeto. Você não vai se esquecer de Alexandra. Serviço Alexandra (Aleksandra, Rússia/2007, 92 min.) - Drama. Dir. Aleksandr Sokurov. 14 anos. Cotação: Ótimo

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