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''Só números não avaliam o mercado''

Salles e outros produtores e diretores analisam a redução de público no País

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No recente Festival de Gramado, ao receber seu Kikito especial de carreira, logo na abertura do evento, Renato Aragão já havia sinalizado para o descontentamento. Ele se definiu como um resistente, porque era assim que se sentia ao continuar fazendo filmes - O Guerreiro Didi e a Ninja Lili é seu 47º - num mercado exibidor que o restringia para abrir espaço para o que Dido Mocó definiu de novo inimigo do cinema brasileiro, o "blockbuster". Dono de amplos circuitos no passado, ele viu seu espaço encolher para abrigar o Batman de Cristopher Nolan, O Cavaleiro das Trevas. Breno Silveira, recordista de público da Retomada, o período que se inicia com Carlota Joaquina, de Carla Camurati, em 1995 - 2 Filhos de Francisco fez mais de 5 milhões de espectadores -, foi outro que trombou com Batman. Breno não se queixa - ele acha Batman um grande filme - e agora pode até respirar aliviado, porque, após um início apertado, seu novo filme, Era Uma Vez, estabilizou na bilheteria, o boca-a-boca começou a funcionar e, ao fim de algumas semanas, já exibe números estimulantes: 390 mil espectadores, com potencial para chegar a 500 mil nos cinemas. No caso de Era Uma Vez, Breno explica, houve uma rejeição, principalmente em São Paulo. "O público achou que ia ver mais um filme de favela, de violência. Foi preciso um certo tempo para que as pessoas vissem que Era Uma Vez não é sobre isso. O filme nasceu de uma observação social - está tudo errado - é sobre amor, contra o preconceito." O cinema brasileiro vive mais um de seus momentos de sobressalto. A participação da produção nacional no próprio mercado atingiu o pico de 22% em 2003, mas agora caiu para 6,09%. Ao mesmo tempo que se perguntam o que fazer para melhorar esse número, produtores e diretores discutem o que pode ser um grave problema. Existe uma rejeição do público para o filme brasileiro? Uma pesquisa encomendada pelo Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro mostra que o brasileiro assiste a filmes com freqüência, mas não vai ao cinema. A pesquisa, voltada para o mapeamento dos hábitos de consumo na área do entretenimento, entrevistou mais de 2 mil pessoas nas regiões metropolitanas de dez cidades, incluindo capitais como Rio, São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Recife. Cerca de 95% dos entrevistados afirmaram que assistem a filmes. A questão é onde - 39% assistem na TV ou no DVD, 10% só na TV, 38% em cinemas, DVD e TV. Os motivos variam desde (in)segurança até o preço do ingresso. Muita gente se queixa da falta de cinemas perto de casa. Boa parte das faixas C e D acrescenta que os cinemas estão preferencialmente em shoppings e esse não é o universo que essas pessoas freqüentam. O presidente do sindicato, Jorge Peregrino, dá a boa notícia - a imagem do filme brasileiro melhorou nos últimos anos e o que a pesquisa mostra é que a restrição dos pesquisados ao filme nacional não é maior do que a que eles têm em relação ao produto estrangeiro. O mercado encolheu como um todo, não em relação ao filme brasileiro. Cerca de 21% dos entrevistados dá nota máxima à produção nacional. A pesquisa, mesmo assim, apresenta discrepâncias. O público prefere comédias, mas o recordista de bilheteria da Retomada é um drama, e pesado, 2 Filhos de Francisco. O público prefere ficção ao documentário - mas dos 72 lançamentos de filmes brasileiros do ano passado, 34 eram documentários que ganharam seu espaço e dois deles foram eleitos pela crítica os melhores filmes do ano - Santiago, de João Moreira Salles, e Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho. Isso num ano em que ocorreu o fenômeno Tropa de Elite, de José Padilha, que estourou no mercado de DVD pirata. "A pesquisa não é algo definitivo, mas fornece ferramentas que nos ajudam a avaliar o perfil do espectador", ressalta Peregrino. Walter Salles, que lança nesta semana Linha de Passe, relativiza a questão do mercado. "Para que serve o cinema?", ele pergunta. "Para gerar uma memória, um reflexo da sociedade ou para vender pipoca? Eu não sei quanta gente viu Rio 40 Graus, Terra em Transe, São Paulo S.A ou Iracema quando esses filmes foram lançados, mas sei que eles serão vistos e revistos ao longo do tempo, porque são filmes que nos explicam, falam sobre o que somos e de onde viemos. Em outras palavras, estamos avaliando o cinema brasileiro a partir de critérios puramente quantitativos, o que é, no mínimo, insuficiente." É o que também pensa Vânia Cattani, da Bananeira Filmes, que produz as obras de estréia de dois atores na direção. A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele, e Feliz Natal, de Selton Mello, foram selecionados para a Première Brasil, do Festival do Rio (que começa dia 25). Vânia tem um perfil diferenciado como produtora. É cinéfila e produz os filmes que gostaria de ver. No caso desses filmes, ela conta que foi chamada de louca por muita gente, por produzir obras de dois atores superconhecidos, mas que ficam somente atrás da câmera. É um risco, ela sabe, mas são projetos nos quais acredita. "Se a gente for pensar só em números, outro filme que produzi, Narradores de Javé, de Eliana Caffé, pode ser considerado decepcionante, pois fez somente 80 mil espectadores. Ocorre que o filme até hoje é solicitado para exibições em praças e escolas, e para integrar circuitos itinerantes. Nesse mercado paralelo, que eu acompanho, o número do público de Narradores sobe para 600 mil." Bel Berlinck, da O2, empresa de Fernando Meirelles, o diretor de Cidade de Deus e Ensaio sobre a Cegueira - que estréia dia 12 -, faz uma análise parecida de Antônia, de Tata Amaral. "O filme teve 80 mil espectadores, o que é a maior bilheteria da Tata, participou dos festivais de cinema mais importantes do mundo: Berlim, Toronto, Roterdã, Havana, gerou duas temporadas de série na TV Globo, com ótima audiência, foi bem avaliado pela crítica e teve lançamento em salas de cinema, nos EUA, o que é raro para um filme brasileiro. Na nossa análise, foi um sucesso. Agora, de fato, a bilheteria foi abaixo de nossa expectativa. O que houve foi um erro de avaliação. Entendemos errado o tamanho de Antônia." Bel avalia que, se houvesse um circuito de salas populares, "o cinema brasileiro teria um público muito maior." Ela cita recente pesquisa que mostra que o brasileiro não gosta de ler legendas. "Acontece que não basta só ter a sala, é preciso ter produto. O País tem de manter uma produção constante de filmes para o gosto popular. Ela é fundamental, e não é em toda safra que encontramos um 2 Filhos de Francisco ou um A Grande Família." Numa cinematografia baseada na isenção fiscal, muita gente tem a idéia de que os diretores não se preocupam com o mercado porque os filmes não precisam fazer dinheiro. Já estariam pagos. "Exibir os filmes no circuito comercial não é só uma questão de fazer dinheiro, na maioria das vezes nem faz, só paga o lançamento", ela diz. Breno Silveira acrescenta que o sucesso de Francisco não aliviou em nada a situação para seu segundo longa. "O que sobra para o produtor e o diretor é ridículo." Mas ambos concordam que, quando os filmes brasileiros dão certo, "carregam todo mundo junto para cima". "O circuito alternativo sempre estará lá para funcionar como mais uma janela, mais uma forma de acesso complementando o circuito comercial", conclui Bel. Rita Buzzar, que produziu Olga, de Jayme Monjardim, e conclui atualmente Budapeste, de Walter Carvalho, adaptado do livro de Chico Buarque, compara: "Quando faço filmes quero que as pessoas vejam porque é a minha atividade. Seria a mesma coisa se você escrevesse num jornal que ninguém lesse. Você não existiria. Quando eu digo que sou produtora e que fiz Olga, as pessoas reconhecem o filme, e isso me dá uma identidade".

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