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Sim, o Rio tem concerto

No fim de semana, Roberto Minczuk comandou no Rio a Orquestra Sinfônica Brasileira...

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Diversas visões do amor - de sua impossibilidade, seria melhor dizer - marcou a programação musical do Rio no fim de semana. No Teatro Municipal, o lado intimista de Brahms recriado pelo piano; no mesmo palco, dia depois, Don José enlouquecia mais uma vez perante a cigana Carmen; enquanto isso, no CCBB, três óperas, da jovem que engana a morte para salvar seu marido ao camponês que chega à morte enlouquecido pela ilusão do amor - passando por um casal do século 19 que sofre por não saber como agir durante a noite de núpcias. Às vezes é assim, a coincidência na programação oferece paralelos interessantes entre compositores, épocas, estilos. Mas, dentro e fora do palco, é possível ler o fim de semana no Rio de uma outra maneira. À medida que o maestro Roberto Minczuk assume a direção musical e a regência do Municipal, função que ele adiciona à de diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica Brasileira, a vida musical carioca começa a passar por uma transformação radical. E as polêmicas já começam a surgir. A jornada musical, assim como a da polêmica, começa no sábado à tarde. No palco do Municipal, a pianista coreana Joyce Yang abre o programa da série Pianistas da Sinfônica Brasileira sozinha no palco, com Brahms, mais especificamente os Klavierstuck Op. 119, de caráter intimista, em que um compositor que chega aos 60 anos relembra com lirismo os principais momentos de sua vida - e só a paixão reprimida de décadas por Clara Schumann gerou uma porção deles. A técnica de Yang, de 21 anos, é irretocável, apesar de que a facilidade com que enfrenta as dificuldades impostas pelas partituras, do Brahms aos concertos de Mozart e Tchaikovsky que fecharam o programa, ao lado da orquestra, talvez a leve a uma displicência, a um desapego com relação ao enorme universo emocional que elas retratam. Mas vamos mudar o foco um pouco, mais para o centro do palco, onde Minczuk comanda a Sinfônica Brasileira. Há dois anos, a orquestra estava pronta para fechar as portas, sem regente, com salários atrasados, incapaz de envolver a iniciativa privada em seus projetos. Em pouco tempo, o trabalho de Minczuk já dá resultados - com novos músicos, salários mais altos, repertório interessante, bons solistas, e uma arrecadação de R$ 20 milhões por ano, capaz de garantir a tranqüilidade da orquestra mesmo em um momento em que a prefeitura do Rio, que assumiu o pagamento dos músicos, anda descumprindo sua parte no acordo. O que se ouve, enfim, é uma nova OSB, com uma estrada aberta à sua frente. Minczuk conta que, quando assumiu a orquestra, ouviu de amigos que estava embarcando em um navio já afundado. E abre um enorme sorriso ao dizer, hoje, que a embarcação segue em águas mais calmas. Está ouvindo o mesmo agora. O fato é que, apesar da escolha de uma nova direção para a casa, ninguém parece acreditar em solução simples para o Municipal. Segundo músicos e críticos ouvidos pelo Estado, as dívidas, a burocracia, a necessidade urgente de reformas, tudo isso visto em conjunto com a ausência nos últimos anos de um projeto artístico consistente para a orquestra (que está sem regente titular há quase dois anos), parece levar a um clima de descrença generalizada - o Estado procurou Carla Camurati, nova presidente da Fundação Teatro Municipal, para discutir essas questões, mas, por motivos de agenda, ela não pôde atender ao pedido de entrevista. Em português bem claro, enfim, o que se pergunta é: em um currículo que tem a participação no projeto Osesp, o trabalho como convidado com grandes orquestras internacionais e a reabilitação da OSB, o Municipal não seria um risco desnecessário? Outra: o acúmulo de postos não seria prejudicial, para o maestro e para suas orquestras? Minczuk sabe dos riscos que corre. Não acredita que o acúmulo de funções será um problema. Diz acreditar que tem uma responsabilidade, como brasileiro, com as instituições do País. Não poderia dizer não. ''''Acabei de completar 40 anos, poderia estar vivendo outra vida. Mas optei por ficar no Brasil. E vejo a vida musical do Rio em um momento interessante, de recuperação da auto-estima. É esta a hora da transformação'''', disse. Ele discorda do clima de pessimismo e diz confiar na vontade política da gestão atual. Mais do que isso: em 2009, o Municipal completará 100 anos - e a data poderá servir para que se concentrem esforços na revitalização do teatro. Mas há ainda outro aspecto a ser considerado. O guia Viva Música! estampou este mês uma foto de Minczuk com o Cristo Redentor ao fundo e a manchete: ''''O Rei do Rio.'''' Nos corredores da OSB, a piada é a seguinte: ''''Você viu a foto? E quem é aquele de braços abertos atrás do Minczuk?'''' A ida do maestro ao Municipal marca uma mudança de poder na música carioca. Minczuk agora comanda duas orquestras e o principal palco da cidade, cuja vida musical tem ainda a Petrobrás Sinfônica, comandada por Isaac Karabtchevsky, a Sala Cecília Meireles do compositor João Ripper e, correndo por fora, a Sinfônica Nacional de Lígia Amadio. Minczuk, enfim, pede para falar com mais detalhes sobre o Municipal no começo do ano que vem, quando assume de fato a função. No domingo à tarde, no entanto, durante a apresentação em concerto da Carmen, de Bizet, a primeira ópera da nova gestão, ficaram claros alguns dos desafios que ele terá pela frente. Comandada pelo maestro Sílvio Viegas, a orquestra do teatro apresentou desempenho muito desigual. Em uma versão em concerto, sem cenários e figurinos, a orquestra ganha importância ainda maior na construção dos climas, na descrição das cenas. O que se ouviu, no entanto, foi uma interpretação sem contrastes, com desequilíbrio entre naipes, jogando na voz dos bons cantores (Celine Imbert, Fernando Portari, Rosana Lamosa e Stephen Bronk) a responsabilidade de criar ecos do amor, erotismo, sensualidade e ódio que marcam a partitura. Amor, erotismo, sensualidade, ódio... Poderíamos bem estar falando do espetáculo Três Óperas em Um Ato, a última parada no fim de semana de música no Rio. O diretor André Heller-Lopes uniu três obra curtas que, cada uma à sua maneira, tratam do amor. Savitri, de Gustav Holst, recria a lenda indiana da jovem que engana a morte, que aparece em busca de seu marido; Uma Educação Incompleta, de Chabrier, fala de dois recém-casados que não sabem o que fazer durante a tão esperada noite de núpcias; por fim, O Diário de Um Desaparecido, em que o compositor checo Leos Janácek cria música a partir das anotações de um homem que delira com a imagem de uma jovem cigana. O espetáculo nos mostra parte de um repertório, as óperas de câmara, muito rico e pouco explorado. Mais: revela uma série de cantores que tem pela frente carreiras promissoras, como a lituana Liora Grodinikaite, as brasileiras Flávia Fernandes e Carolina Faria, o tenor Marcos Paulo e o barítono Leonardo Neiva, além de mostrar a pianista Linda Bustani como excelente acompanhadora, realçando os climas de maneira discreta e eficaz, respeitando os estilos de cada compositor ao mesmo tempo em que garante a unidade do espetáculo.

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