Shakespeare total e em traje de gala

Toda a obra teatral do dramaturgo é reunida em três luxuosos volumes pela editora Agir, cada um dedicado a um gênero

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Shakespeare já foi traduzido para o português por notáveis como o poeta Manuel Bandeira, que enfrentou Macbeth, o cartunista e escritor Millôr Fernandes, que se dedicou a Hamlet e a Rei Lear, e a crítica Barbara Heliodora, responsável pela tradução de nada menos que 15 peças do dramaturgo inglês - ela continua o trabalho com as outras, respondendo pela edição da obra do autor pela editora Nova Aguilar. No entanto, a tarefa de traduzir todo Shakespeare coube a um médico e poeta maranhense, Carlos Alberto da Costa Nunes (1897-1990). Em 1954, ele entregou aos leitores brasileiros o teatro completo de Shakespeare traduzido. É essa mesma obra monumental, originalmente publicada pela Melhoramentos, que a editora Agir coloca no mercado em nova e luxuosa edição de três volumes, que totalizam juntos nada menos que 1.912 páginas. Apesar do traje de gala (todas as edições têm capa dura e colunas duplas, como as edições inglesas), o preço é bem razoável: R$ 109,00 por cada um dos três volumes (Comédias, Dramas Históricos e Tragédias). Costa Nunes, morto em 1990, aos 93 anos, era tio do filósofo Benedito Nunes. Com um legado que inclui suas traduções de Homero (Ilíada e Odisséia), Platão (Diálogos), Virgílio (Eneida) e as tragédias do poeta alemão Friedrich Hebbel (1813-1863), o sobrinho decidiu sugerir ao editor da Agir, Paulo Roberto Pires, a reedição de Shakespeare - Teatro Completo. "Foi uma coincidência e tanto, pois os livros já estavam na gráfica quando Benedito me procurou", conta o editor. Publicadas pela Melhoramentos nos anos 1950 e 1960, as traduções de Costa Nunes podiam ser encontradas em edições esparsas de bolso, não revisadas desde os anos 1970. O editor da Agir considerou urgente uma reedição corrigida da obra teatral completa de Shakespeare. As traduções de Carlos Alberto da Costa Nunes diferenciam-se do trabalho de alguns tradutores brasileiros por manter fidelidade formal a Shakespeare, respeitando seus versos. Até demais, segundo alguns críticos, que no passado o acusaram de certo arcaísmo, não só pela escolha das palavras, mas por sua insistência na tradução versificada (os tradutores, hoje, preferem o caminho formal da prosa). Seu modelo é o decassílabo heróico, o que lega aos atores brasileiros mais uma dificuldade, além do natural desafio de interpretar Shakespeare. Assim, é uma tradução para se ler, mais do que para ser apresentada no palco. Seria preciso um elenco de talentosos herdeiros de Laurence Olivier para encarar os versos dramáticos do texto original sem tropeçar na forma, especialmente no caso de Ricardo III (a prosa é exceção, não regra no drama histórico de Shakespeare). Algumas traduções são analisadas pelo médico poeta, que também oferece sua visão particular da obra do dramaturgo numa pequena introdução. Como bônus, a nova edição traz o quadro cronológico de todas as peças. O médico era preciso em seu diagnóstico. Não perdoou, por exemplo, os excessos da tragédia Tito Andronico, uma das primeiras escritas pelo autor (provavelmente entre 1584 e 1590), atribuindo seu gosto pelo canibalismo aos exageros e à falta de senso estético da juventude. Shakespeare extrapolou na peça do general romano. Parece o Tarantino da época.

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