Sexo e loucura no fantástico espanhol

Evento no CCSP cobre quase oito décadas de medo e terror na Espanha

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Por Luiz Carlos Merten
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São quase 80 anos de cinema de terror na Espanha, num arco que vai de O Sexto Sentido, de Nemesio Sobrevila e Eusebio Fernández Ardavin, em 1929, até El Habitante Incerto, de Guillem Morales, em 2005. A mostra Vampiros, Demônios e Sinistros - Cinema Fantástico Espanhol começa hoje no Centro Cultural São Paulo e vai até domingo, oferecendo ao público - jovem, principalmente - a oportunidade rara de apreciar outro tipo de cinema do encantamento e do medo que não aquele praticado por Hollywood. Entre os dez filmes selecionados não estão obras dos mais famosos diretores que se exercitam no gênero, na Espanha - Alex de La Iglesia e Juan Antonio Bayona, que estreou no ano passado com O Orfanato, produzido por Guillermo Del Toro, de O Labirinto do Fauno. Talvez o terror não seja a melhor classificação para esses filmes, mesmo que alguns tenham sido feitos com o objetivo declarado de provocar frio na espinha. A Espanha conheceu a Inquisição e a guerra e o terror faz parte de sua cultura, mas o termo correto é fantástico, que engloba outras vertentes. O fantástico está enraizado na cultura espanhola, por meio da obra de pintores, dramaturgos e escritores. O cinema espanhol, seguindo a trilha do francês Georges Méliès, imediatamente percebeu a riqueza da nova linguagem para explorar o fantástico. Nemesio Sobrevila e Eusebio Fernández Ardavin anteciparam-se em mais de 30 anos ao Michael Powell de A Tortura do Medo, de 1960, do qual o filme deles parece ter sido o precursor. Para animar um amigo depressivo, sujeito lhe apresenta uma nova invenção, que não é outra coisa senão uma câmera de filmar. Ele fica cada vez mais obcecado pelo aparelho, com o qual tenta devassar a intimidade dos outros. Ardavin é reconhecido como uma das personalidades fundadoras do cinema de Espanha, mas Sobrevila, que foi o grande animador desse filme, é tão pouco conhecido que seu nome nem consta nas enciclopédias. O estranhamento dá a tônica de Amanece Que no Es Poco, de José Luis Cuerda, de 1988, sobre professor espanhol que vive nos EUA e volta à cidade em que nasceu para um ano sabático, descobrindo que sua mãe foi morta pelo pai. Ainda traumatizado, ele aceita o convite do pai, que o leva numa viagem para um povoado remoto nas montanhas, habitado por uma gente muito estranha. Você vai pensar em Os Outros, de Alejandtro Amenábar, mesmo que o filme de Cuerda não seja tão bom. La Torre de Los Siete Jorobados, de Edgar Neville, de 1944, conta a história, desenrolada no fim do século 19, de fantasma que revela a um homem a existência de uma cidade subterrânea habitada por criminosos corcundas. Neville com certeza se inspirou na visão expressionista dos criminosos de Fritz Lang em M, o Vampiro de Dusseldorf, clássico de 1931. Metamorfosis, de Jacinto Esteva Grewe, de 1971, conta a história de homem que mantém uma fundação de experimentos para a cura de seres anormais. Ele parece ter sucesso com um paciente, mas o cara desenvolve uma perturbação mental muito mais nociva que sua deformidade física. Essa idéia de um lado ''escuro'' da mente - presente no perturbador O Espírito da Colméia, de Victor Erice, obra-prima do fantástico à espanhola, de 1973 - aparece em diversos filmes. El Bosque del Lobo, de Pedro Olea, de 1970, trata de epiléptico discriminado por sua doença e que começa a achar que é lobisomem. El Cebo tem direção de Ladislao Vajda, que obteve grande sucesso de público com o lacrimoso Marcelino, Pão e Vinho, com Pablito Calvo, em 1955, e três anos depois realizou na Suíça seu melhor filme, justamente este que integra a mostra, sobre o desmascaramento de um assassino de crianças. Como fantástico atrai extraterrestre, a mostra exibe El Caballero del Dragón, de Fernando Colomo, de 1985, sobre disco voador que aterroriza vilarejo e os moradores se unem para enfrentar - viva Glauber Rocha - ''o dragão da maldade''. O terceiro programa imperdível do evento, com O Sexto Sentido e El Cepo, é Los Blues del Vampiro, de Jesus Franco, de 1999, sobre garota norte-americana que passa férias na Espanha. Ela compra uma T-shirt com a efígie de uma bela vampira e a sugadora de sangue se apossa de seus sonhos. Jesus, que também se assina Jess, é uma personalidade endiabrada do cinema de gênero espanhol. Calcula-se, mas é difícil estabelecer com certeza, porque ele usa diversos pseudônimos, que tenha feito cerca de 150 filmes. É autor de uma Justine e de um Drácula que não desagradariam ao Marquês de Sade nem a Bram Stocker. Interessa-lhe em explorar os limites eróticos do cinema. Como virou diretor de sexo explícito, pode-se garantir que Los Blues del Vampiro vai ter cenas transgressoras. Serviço Vampiros, Demônios e Sinistros - Cinema Fantástico Espanhol. Hoje, 16 h, Karate a Muerte en Torremolinos (2002), de Pedro Temboury; 18 h, El Sexto Sentido (1929), de Nemesio Sobrevila e Eusébio Fernandez Ardavin; 20 h, La Torre de los Siete Jorobados (1944), de Edgar Neville. Centro Cultural São Paulo - Sala Lima Barreto (110 lugares). Rua Vergueiro, 1.000,Paraíso, tel. 3383-3402. Grátis. Até 15/6

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