Seus pares no ofício brincam de fazer sabatina

A convite do Estado, oito cenógrafos de carreira destacada entrevistam Serroni

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Por Redação
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Márcio Aurélio: Qual é o seu principal ponto de partida para a criação da cenografia? Parto de conversas com o diretor, leituras e interpretação do texto. O meu caminho sempre foi o de não buscar nada concreto de início - o processo é muito aberto, porque o teatro é vivo. Começo por acompanhar o trabalho do ator e nunca sei no que vai dar. Outro ponto importante é sempre trabalhar tridimensionalmente, ou seja, com maquetes. Já cheguei a fazer 7 maquetes para definir a cenografia, como foi o caso de Gilgamesh, com o Antunes. Osvaldo Gabrielli: Como analisa a utilização (ou a ausência) de cenografia em espaços alternativos? A cenografia tem se despojado muito mais. Primeiramente, acredito que há um problema econômico: as verbas são pequenas para a cenografia dentro do processo. De uns dez anos para cá, vejo que está havendo uma retomada na valorização do trabalho do ator, do texto. Então, a cenografia tem que começar a trabalhar de uma forma muito mais simples, funcionando mais como um apoio. Muitas vezes você tem de retrabalhar esses espaços alternativos e dar a eles um caráter. Não acho que a cenografia vá acabar: o processo é cíclico. Na Idade Média também se ocupavam os espaços públicos para encenações. Daqui a pouco vem uma reação. José Dias: Você sente saudade da qualidade dos cenotécnicos da época em que começamos? O que podemos fazer para solucionar a carência desses profissionais? Sinto muita saudade, sim. Um dos grandes problemas que temos é a falta de formação técnica. Trabalhei com grandes cenotécnicos, como Delfino, Espanhol, Pupi. Hoje não temos mais nada. Alguns cenotécnicos ficam bravos porque eu digo isso, mas é verdade. Hoje se você quiser fazer um Peter Pan voar em cena, você vai se virar, porque não tem quem faça. Os cenotécnicos italianos que vieram para o TBC repassaram isso para algumas pessoas, que não passaram para frente. As TVs ainda têm alguns profissionais, mas são fixos. Isso também é um dos motivos que nos leva a simplificar as coisas. Gabriel Villela: Você leva adiante um projeto de revista sobre cenografia, quase sempre bancado com recursos próprios. E, no entanto, é, há anos, o mais importante espaço de reflexão sobre cenografia do Brasil. Fora o Sesc e a Usiminas, ninguém mais se interessa em patrocinar tão nobre evento literário? Desde que eu resolvi abrir esse espaço, eu sabia das dificuldades. É um espaço público levado de maneira privada. Nos últimos anos, consegui alguns apoios, mas já cheguei a fazer várias edições com dinheiro do meu bolso. Cada ano é uma luta. É difícil, é Brasil. Parece que só vão reconhecer o nosso trabalho quando morrermos. Em 10 anos, conseguimos publicar 35 edições, com uma tiragem de 2 mil exemplares - era para ser bimensal, mas não deu. Já cheguei a pensar em parar, não é fácil. Quem sabe alguém não acredite uma hora que a revista é realmente importante e não decida patrocinar o projeto permanentemente? Renato Scripilliti: Por que optou pela cenografia e não arquitetura, sua formação? O que o levou ao teatro? Eu cursei arquitetura pela cenografia. Fazia teatro amador em São José do Rio Preto e lá resolvi que queria fazer cenografia, mas não sabia onde. Aí várias pessoas me indicaram o caminho da arquitetura ou das artes plásticas. Cursei a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e logo de cara conheci o Flávio Império, meu professor no primeiro ano. No TGI (trabalho de graduação interdisciplinar) tive orientação da professora Lucrécia Ferrara, mulher de José Armando Ferrara, chefe do departamento de cenografia da TV Cultura. Ela me contou que ele precisava de um assistente de cenografia. Foi lá, onde fiquei durante 6 anos, que conheci o Antunes (Filho), o (Antonio) Abujamra, o Ademar Guerra e comecei a fazer teatro. Simone Mina: Como surgiu a vontade de ensinar cenografia para os jovens? E como percebe sua contribuição na carreira dos seus ''filhos''? Quando comecei a fazer cenografia, tive muita dificuldade. Fiz arquitetura e fui meio que autodidata na cenografia. Fiz oficinas na TV Cultura, teatro infantil, fui carnavalesco da X9 durante 4 anos nos anos 80 e jurado de desfiles. Eu aprendi fazendo e achava isso muito sofrido. Quando eu voltei da Quadrienal de Praga, em 1987, onde conheci um pouco do universo da cenografia mundial, eu vi que estávamos muito atrasados, que tínhamos muita deficiência, não tínhamos planejamento. Daí me dei conta de que precisávamos de um lugar de pesquisa, onde se pudesse fazer um trabalho a longo prazo, o que acabou coincidindo com um convite do Antunes para a abertura de um núcleo de cenografia no CPT, cuja duração foi de 10 anos. Dava para mudar esse estado de coisas. Então, saí do CPT para abrir o Espaço Cenográfico. Me sinto muito feliz com o resultado dos meus alunos. As pessoas que passaram por aqui estão produzindo em seus grupos e ganhando prêmios - isso me dá força para continuar, porque acho que, então, está valendo a pena. André Cortez: Sinto que o interesse pela cenografia aumenta cada vez mais. Concorda? A que atribui? O campo do cenógrafo cresceu muito. Quando comecei, a cenografia era para teatro, ópera, dança e alguma coisa na TV. Hoje o cenógrafo tem um mercado amplo: shows, publicidade, musicais, exposições, a nova museografia, vitrines, estandes, decorações de Natal dos shoppings, festas. Eu fiz, por exemplo, os dois últimos shows do Zezé di Camargo e Luciano e foi ótimo. Levo isso para os alunos, pois acho importante essa vivência. Acho que devia ter na arquitetura a opção pela cenografia - o arquiteto tem metade do caminho andado para a cenografia, porque estuda história da arte e estética. Sylvia Moreira: Como é a sua relação com os diretores? Hoje o trabalho de grupo está fortalecido, talvez por causa da Lei do Fomento, e é um trabalho em que acredito muito. Nesse caso, existe quase sempre uma parceria. No teatro mais ''comercial'', há uma ditadura do diretor. Só quando você passa a ter um trabalho de continuidade com esses diretores é que você consegue desenvolver idéias com eles. Foi o que eu fiz com Antunes Filho, Gabriel Villela, Vladimir Capella, Antonio Abujamra. Teatro é arte coletiva e, se você quer assinar a obra, então faça pintura, escreva poema, crie escultura. No teatro, tem de somar.

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