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Sergio Ricardo repassa 50 anos de composição

Artista finaliza Ponto de Partida, CD com duas inéditas

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Após seis décadas de tabagismo, Sergio Ricardo está (quase) parando de fumar. Além da saúde, o compositor, de 76 anos, precisava preservar a voz. Afinal, era hora de gravar seu disco definitivo. Com releituras de canções dos últimos 50 anos e duas inéditas, Ponto de Partida levou cinco meses para ser finalizado. Demorou, mas ficou como ele desejava. "Neste disco nada me incomoda", diz, exigente. Foi uma ação entre amigos, ou melhor, parentes. Do lado Lufti (seu nome de batismo é João Lufti; é irmão do fotógrafo de cinema Dib Lufti), estão seus três filhos: Marina, produtora do CD e cantora; Adriana, também cantora; e João, o caçula, ao violão. De outro, os irmãos Alain Pierre (violões) e os jovens Alexandre (sopros) e Marcelo Caldi (piano e acordeão). O time ainda teve outros novos talentos, como o bandolinista Hamilton de Holanda, o violonista Edu Krieger e o violinista francês Nicolas Krassik. Promovido por Marina, que levou o pai a shows deles, o encontro de gerações deu muito certo. "O clima foi o melhor possível. Como um verão à beira-mar. O jovem se atira, topa coisas incríveis, aceita desafios musicais", diz. Nos últimos anos, dedicado a compor e a retrabalhar músicas antigas, e a pintar também, em seu apartamento no Morro do Vidigal, na zona sul do Rio (onde vive há 40 anos e chegou a ajudar os moradores a lutar contra a remoção de barracos), Sergio andava afastado das novidades da música brasileira - mesmo tendo, nos primeiros anos deste século, tocado o projeto Palco Livre, em Niterói, no qual apresentava ao público artistas recém-descobertos, que dividiam o palco com outros já consagrados. Foi Marina quem o incentivou a abrir-se ao novo. Também ela escolheu o repertório do CD e buscou patrocínio da Petrobrás (o projeto foi aprovado em edital; a distribuição está sendo feita pela Biscoito Fino). "Tive carta branca. Eu via que ele re-harmonizava músicas antigas e tudo ficava com uma cara muito nova. E via também que as pessoas não conheciam o que ele tocava nos shows. Conheciam Zelão, Esse Mundo É Meu e só", relembra Marina. Todas as faixas têm sua historinha contada no encarte: Barravento nasceu sob o impacto do filme de Glauber Rocha; Deus e o Diabo na Terra do Sol, composta com o cineasta baiano, fez parte de sua trilha sonora; Ausência de Você e Poema Azul (gravada por Maria Bethânia em Mar de Sophia), são bossa-novistas; Fantasma e Cacumbu já tinham sido registradas, mas sem alarde; Maria do Tambá e Palmares são inéditas... "Tive chance de fazer um trabalho independente, com liberdade para escolher o repertório, o time de produção e artístico, num clima de verdadeira harmonia", diz Sergio, que precisou se controlar para não "babar" a prole em ação. "Não foi tarefa muito fácil, porque sou pai muito coruja. Então, tive de me imbuir de uma superexigência, para não prejudicá-los. Para meu espanto, os três demonstraram que não estavam ali para satisfazer meu nepotismo, e sim para nivelarem-se aos músicos presentes." O disco sai em meio às incontáveis comemorações dos 50 anos da bossa nova, a qual Sergio precedeu. De forma alguma o compositor se sente barrado na festa (shows, homenagens, debates). Amigo íntimo de João Gilberto e "seu maior fã", faz parte do grupo de interlocutores com o qual ele trava longas conversas ao telefone e pretende ir ao show do Municipal do Rio, no dia 24, ele avisa (e mostra em seu CD): "Estou em outra." E esclarece: "Não me acho velho, a não ser quando tenho de subir muitos lances de escada em prédios como o meu, que não possuem elevador. Longe disso e do espelho, é claro, e principalmente do cigarro, sinto-me um garoto. Para lançar um disco e o próximo, acho que o fôlego ainda dá."

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