Sem palavras

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Por Adriana Falcão
Atualização:

- Isso é um paradigma. - O que é um paradigma? - "Todas as paixões passam com o tempo." Esse não é o padrão de comportamento das paixões? - Então a culpa agora é das paixões? - Ou do tempo. - Não foi o tempo que deixou de gostar de mim. Foi você. - Eu não deixei de gostar de você. Eu gosto de você. Mas a paixão passou com o tempo. - O tempo realmente não gosta de mim. - O tempo não gosta. Nem desgosta. Ele só passa. - Levando as minhas paixões! - E as minhas. E as de todo mundo. A sua paixão por mim também passou. - E você não está indignada porque a nossa paixão passou? - Não adianta se indignar com o inevitável. - Isso é outro paradigma? - Isso é uma conclusão racional. - Você era bem mais passional quando era apaixonada. - Isso é um pleonasmo. - Danem-se as palavras. E os pleonasmos. E os paradigmas. E as conclusões racionais. Eu quero a nossa paixão de volta! - Eu também quero. E o que é que a gente pode fazer? Inventar a máquina do tempo e voltar praquela noite de São João quando a gente se beijou pela primeira vez num cenário de fogos de artifício? Descobrir uma composição química que ressuscite as paixões e injetar ela na veia? Provocar uma amnésia em ambos para que a gente possa esquecer tudo que viveu e então se conhecer uma outra vez? - Qualquer dessas opções seria inútil. O tempo continuaria passando e levaria de novo a nossa paixão com ele. - Todas as paixões passam com o tempo. É o que eu estou tentando dizer. - E eu não estou querendo aceitar. - Isso é burrice. Se daqui a pouco o dia vai amanhecer, não é melhor a gente querer que ele amanheça para não ficar contrariado daqui a pouco? - Isso é muito inteligente. Resolver querer tudo que vai acontecer, mesmo querendo o contrário. Queremos envelhecer! Queremos morrer! Queremos que a água potável da Terra se esgote! Queremos que as estrelas se apaguem, uma a uma, até o céu ficar vazio! Queremos que a nossa paixão passe completamente, vá embora, e jamais retorne, para que nossa vida fique bem sem graça! - Temos duas opções: podemos nos separar e ir arranjar outra paixão por aí, ou continuar juntos sabendo que o incêndio apagou, o terremoto acabou, e isso tem até um lado bom. Paz. Família. Carinho. Cumplicidade. - Isso é conformismo. - Isso é amor. - Não fala mais nada. Apaga a luz e deita aqui ao meu lado. - Isso é uma maneira gentil de encerrar a conversa? - É só uma tentativa de reencontrar, com as nossas bocas, um argumento que deixe a gente sem palavras.

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