Se paredes cor-de-rosa falassem...

Pretérito Perfeito revê toda uma época ao contar história de famoso bordel do Rio

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nesta interminável discussão sobre mercado, que volta e meia aflige o cinema brasileiro, surge uma proposta nova. O filme Pretérito Perfeito, de Gustavo Pizzi, que estreou ontem trazendo para os espectadores de diferentes rincões do País as memórias do mais famoso bordel do Rio, a Casa Rosa. Muita gente conhecida, incluindo Lobão, conta como foi perder a virgindade com as ?meninas? da Casa Rosa. Por meio dessas confissões, o diretor termina contando uma história da vida pública e privada no Brasil. O filme termina fazendo um registro muito mais amplo da sexualidade - e do que mudou no território do prazer (comprado ou não). Assista ao trailer de Pretérito Perfeito Só o tema já torna Pretérito Perfeito um programa atraente, e não apenas para espectadores voyeurs. Mas há também a proposta da chamada ?Distribuição Criativa? e aí quem fala é a idealizadora do projeto, a produtora Isabelle Cabral, de 43 anos. Isabelle - o nome é uma homenagem a certa aeromoça francesa que seu pai, um aviador, conheceu voando por aí - batalha há 14 anos nesse território duro da distribuição e exibição de filmes nacionais. Ela começou em 1994, na fase pré-Retomada, agitando sessões de cinema na Universidade Gama Filho, do Rio. Não havia muitos filmes - nem espaço de discussão. Carla Camurati foi lá discutir Carlota Joaquina, Fábio Barreto, na ordem do dia com a indicação de O Quatrilho para o Oscar, também foi e mais tarde foi a vez de Walter Salles. Todos participaram do circuito de exibição/debate estimulado por Isabelle. Desde então, ela tem buscado formas alternativas de exibição - e visibilidade - para a produção brasileira, convencida de que o público muitas vezes quer ver filmes nacionais, mas, por diversos fatores, não consegue. Isabelle foi uma das deflagradoras do circuito comunitário. No Cinema BR em Movimento, subsidiado pela Petrobrás, levou filmes a praças distantes e até a aldeias de índios. Quando Fernando Meirelles lançou seu primeiro longa, Domésticas - co-direção de Nando Olival, em 2001 -, Isabelle desenvolveu, com a produtora O2, o projeto do vale-ingresso. A semente de verdade do Distribuição Criativa foi plantada quando Isabelle definiu a estratégia de lançamento do documentário Morro da Conceição, de Cristiana Gumbach. Ela veio, com esforço, de anos de afirmação e prosperidade do cinema brasileiro no mercado interno - 2001, 2002, 2003. Nos últimos tempos, a freqüência e os números despencaram. Isabelle entrou em crise. Como diz, no quadro de um cinema que vive de incentivo fiscal, o filme consegue ser feito, o diretor, os atores e técnicos, todos recebem algum por seu trabalho e assim gira a roda. Mas é injusto o filme não ter uma vida, não ter visibilidade, não ser visto nem debatido. Distribuição Criativa foi criado para preencher essa lacuna. Aprovado pela Secretaria do Audiovisual, que investiu um pouco de dinheiro na proposta, consiste de um plano para lançar, de forma econômica, e sempre com projeção digital, dez filmes no período de um ano, em seis praças. A etapa inicial do projeto prevê a distribuição e exibição de quatro filmes - Pretérito Perfeito é o primeiro. Vão se seguir Meu Brasil, de Daniela Broitman, Memória para Uso Diário, de Beth Formaggini, e L.A.P.A., de Cavi Borges e Emílio Domingos. A idéia é baratear custos e incentivar a freqüência do público por meio do vale-ingresso, ou vale-cinema. "Estamos buscando parcerias para a distribuição dos vales-cinema com secretarias de Educação, escolas, universidades, centros acadêmicos, ONGs, associações profissionais e outras instituições cuja área de atuação estejam relacionadas com os temas dos filmes", explica Isabelle Cabral, da Pipa Produções, criadora do projeto. O público vai variar de acordo com os filmes selecionados no edital público. "A idéia é atingir diversas camadas da população, jovens adultos, a terceira idade, formadores de opinião de várias áreas. O foco será quem não tem acesso à produção cultural, que não necessariamente é o excluído social." O objetivo final é a criação de público. Pois o problema, no limite, avalia Isabelle, é cultural. Num mercado formatado para o produto estrangeiro, o público não tem o hábito de ver filmes nacionais. É isso que é preciso estimular (e desenvolver). Se o público vai pagar um preço de ingresso para ver Batman - O Cavaleiro das Trevas e o mesmo preço por um documentário sobre um prostíbulo carioca, muito provavelmente ele vai preferir o primeiro, até por todo o estímulo publicitário que existe nesse sentido. Para viabilizar o ingresso a preços populares, as produtoras e distribuidoras estão dispostas a abrir mão de qualquer porcentagem em favor dos exibidores. Isabelle está animada. "Cada um desses filmes possui um perfil. Pretérito Perfeito tem essa aura da safadeza, embora não seja sobre isso, e no Rio já fez sucesso por conta do interesse pela Casa Rosa. Vamos trabalhar Memória para Uso Diário com a ONG Tortura, Nunca Mais, porque o tema do filme é a memória dos tempos de chumbo. O de Meu Brasil é a formação e o estabelecimento de lideranças comunitárias. O de L.A.P.A. é o universo carioca do hip-hop. A idéia é criar circuitos alternativos, pequenos mas consistentes, para que esses filmes tenham um espaço e existam, social e artisticamente, em salas, escolas, sindicatos ou praças." Mesmo numa fase como a atual, em que o público do filme nacional despenca, existem iniciativas bem-sucedidas. Em Guadalupe, na zona norte do Rio, o Ponto Cine - um dos parceiros do projeto Distribuição Criativa, com o Espaço Unibanco em São Paulo - é o primeiro cinema popular digitalizado do País. Há três anos e exibindo uma programação formada em 95% por filmes nacionais, Guadalupe registra freqüências extraordinárias. Uma estratégia de ingresso barato, boas salas de exibição (e seguras), uma oferta diversificada, tudo vai ajudar na promoção do cinema brasileiro. A Distribuição Criativa está apenas começando.

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