PUBLICIDADE

Se há um conselho, é dele o poder

Em entrevista exclusiva sobre o ''caso Neschling'', FHC garante autonomia de gestão perante o governo

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

A última palavra sobre questões relacionadas à Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo pertence ao conselho da fundação e não ao governo do Estado. Quem garante é o ex-presidente da República e presidente da Fundação Osesp Fernando Henrique Cardoso, que, em entrevista exclusiva ao Estado, rompe o silêncio da instituição desde que, no fim de junho, o maestro John Neschling anunciou, também em primeira mão ao Estado, sua decisão de não renovar seu contrato de diretor artístico do grupo por causa de pressões do governador José Serra e do secretário estadual de Cultura João Sayad. Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da Fundação em junho de 2005, quando foi anunciada oficialmente a transformação da Osesp, até então vinculada diretamente ao governo do Estado, em uma organização social. A partir daquele instante, criava-se um contrato de gestão no qual tanto o Estado como a fundação definiam seus direitos e deveres - o objetivo principal seria desvincular a orquestra da burocracia estatal, dando-lhe autonomia de gestão sem, no entanto, perder de vista sua função pública, até mesmo porque a maior parte do orçamento continuaria a vir dos cofres públicos: em 2008, por exemplo, o Estado banca R$ 43 milhões dos R$ 57 milhões do orçamento da orquestra. A relação entre governo e fundação Osesp voltou à tona no ano passado, quando chegaram ao público e à imprensa informações de que o governo articulava a saída de John Neschling da orquestra. No fim de 2007, uma gravação colocada no YouTube flagrava o maestro fazendo críticas ao governador e se referindo à pressão política para que ele deixasse o cargo. No mês passado, após meses de especulação, Neschling anunciou que não renovaria seu contrato de diretor artístico e regente titular, dizendo-se cansado da pressão que vinha sofrendo por parte do governo. ''Quaisquer pressões que porventura tenham motivado comentários ou que venham a motivá-los no futuro por parte de pessoas ligadas ao governo terão encontrado, como continuarão a encontrar, resposta equilibrada e firme por parte do conselho, posto que é a esse que cabe, pelo contrato de gestão com o governo do Estado, definir os rumos da Osesp'', diz o presidente Fernando Henrique Cardoso. Em conversa por e-mail com o Estado, ele discutiu como se dá a relação entre fundação e poder público e tratou de temas como a substituição do maestro Neschling: segundo afirma, não foram definidos ainda os métodos que vão guiar a escolha do novo regente . Como a Fundação Osesp recebeu a decisão do maestro John Neschling de não renovar seu contrato em 2010? Tendo em vista o mercado internacional e a antecedência com que a programação da orquestra é normalmente pensada, a fundação já havia começado a negociar sua permanência ou substituição? Embora o prazo contratual para as partes se pronunciarem sobre a renovação do contrato terminasse no próximo mês de outubro, o conselho da fundação estava mais preocupado com a governança da instituição, isto é, com a forma de seleção dos membros do conselho no futuro, com a discussão sobre a melhor forma de organizar a direção artística e outras questões desse tipo. Para isso, havíamos cogitado pedir assessoria a um especialista americano e outro europeu. Nada específico, entretanto, quanto ao maestro Neschling. Surpreendeu-nos sua iniciativa de renunciar à continuidade do contrato, embora compreendamos que ele tenha muitas oportunidades no exterior e que deseje aproveitá-las. Os termos da carta do maestro John Neschling foram louvados unanimemente pelos membros do conselho, tanto mais que ele se dispõe a reger umas cinco vezes por ano até 2015. A saída de Neschling leva a algumas questões quanto ao funcionamento da Fundação Osesp. Segundo o maestro, sua decisão foi motivada por pressões feitas pelo governo do Estado. A fundação reconhece essas pressões? Pensando na natureza de uma fundação ligada ao Estado, como se dá o diálogo entre a articulação política estatal e o trabalho da fundação? Qual é, ou deveria ser conceitualmente, a relação entre fundação e poder público? Quaisquer pressões que porventura tenham motivado comentários ou que venham a motivá-los no futuro por parte de pessoas ligadas ao governo terão encontrado, como continuarão a encontrar, resposta equilibrada e firme por parte do conselho, posto que é a esse que cabe, pelo contrato de gestão com o governo do Estado, definir os rumos da Osesp. Isso não quer dizer que a fundação se feche a escutar ponderações e críticas, mesmo porque é o Tesouro estadual quem arca com a maior parte dos custos da Osesp. Mas uma coisa é a negociação financeira e mesmo a abrangência dos programas, outra, a direção dos rumos administrativos e artísticos da Osesp, sendo estes últimos de exclusiva responsabilidade do conselho e da própria orquestra. Uma questão prática se coloca com a saída do maestro Neschling: encontrar um substituto. Qual o caminho burocrático, institucional, a ser seguido? Recentes boatos sobre a busca de um novo diretor por parte da equipe da Secretaria de Estado da Cultura levam à questão: quem toma a decisão final com relação ao nome do novo diretor artístico? Qual o papel do Estado no processo? Aceitos os termos da carta do maestro Neschling, a fundação dará curso ao processo de busca de quem o substituirá em 2011. Será responsabilidade exclusiva do conselho definir os mecanismos pelos quais se dará tal escolha, dentro de critérios exclusivamente artísticos e visando à continuidade da obra, que todos reconhecemos, altamente meritória do maestro Neschling e de seus colaboradores, músicos e administradores. Não houve ainda qualquer reunião do conselho da fundação para definir os métodos nem de que forma seremos assessorados para proceder à escolha do novo regente. O maestro John Neschling foi responsável, ao lado do investimento do governo do Estado, pela reestruturação da Osesp. Nesse processo, houve uma associação muito forte entre seu nome e a orquestra, o que levou, sempre que sua saída era discutida, à afirmação de que sem ele não haveria Osesp. Dessa forma, misturou-se indivíduo e instituição na mente do público, o que pode ser nocivo. O sr. concorda? O papel dos instituidores de organizações não deve ser desmerecido. Mas também é certo que todo grande impulsionador de organizações sabe que em dado momento pode ser substituído, pois somos todos mortais. Por isso, mesmo as pessoas que exercem um papel fundacional são as primeiras a se preocupar com as hipóteses de substituição para dar continuidade ao que criaram. Todas as grandes orquestras do mundo tiveram a experiência de realizar a sucessão de regentes marcantes, que deixaram marcas profundas em sua história. Ao fim, esses processos contribuíram para o amadurecimento das orquestras.Penso que os termos da carta do maestro Neschling demonstram que ele se mostrou à altura da questão: ele se dispõe, inclusive, a continuar ligado à Osesp, ajudando na manutenção de seu prestígio. Apenas, como o próprio conselho da fundação poderá ser renovado em 2010 e teremos de refazer o contrato de gestão, não podemos, desde já, assegurar que isso ocorrerá. Estaremos empenhados, contudo, em que a orquestra possa contar com a colaboração futura do maestro. Se assim for, ele ajudará a preservar o bom nome da instituição pela qual tanto fez. Como o sr. vê a solidez institucional da Osesp em um cenário cultural em que mudanças políticas normalmente geram incertezas quanto à manutenção das iniciativas ? Isso foi reforçado pela tentativa, no ano passado, de diminuir a verba que o governo repassa à fundação. Os debates com a Secretaria da Cultura sobre o orçamento da fundação diziam respeito a recursos para a eventualidade de incorrermos em gastos decorrentes de contingências anteriores à administração da Fundação Osesp. Essa questão evoluiu para uma idéia, hoje em discussão, de criação de um fundo a partir dos resultados financeiros positivos da Fundação Osesp, que possa ser utilizado caso tais contingências ocorram ou na manutenção futura da atividade. Estão sendo discutidas questões técnicas: qual o montante mínimo para resguardar esses gastos eventuais e de que maneira eles poderão continuar sob a guarda da fundação, obedecendo às regras normais da administração. Acho que a comunidade paulista já avançou o suficiente para se proteger de tentativas, quando e se houver, que limitem a independência das OS (organizações sociais) que é a forma de relacionamento entre o Estado e a Osesp. O modelo está sendo, inclusive, expandido pela atual administração de São Paulo. Enquanto a Osesp contar com pessoas devotadas e de prestígio, não vejo riscos maiores. O arcabouço institucional que mantém a administração da orquestra e da Sala São Paulo é firme e capaz de indicar, com clareza e eficiência, os caminhos para a preservação da integridade do projeto. Como presidente da fundação, que perfil o sr. imagina deve ter o novo diretor artístico? Há preferência por um brasileiro ou estrangeiro? Eu seria incoerente, depois do que afirmei acima, se me pusesse a dizer que preferências tenho. Isso deve ser objeto de debates no conselho e com a própria orquestra, a partir de um mecanismo de aconselhamento técnico-artístico de que ainda não dispomos. Quanto a ser brasileiro ou estrangeiro, creio que o importante é que tenha excelência artística e competência para motivar os músicos e o público. FUNDAÇÃO x ESTADO: ''Rumos artísticos e administrativos da Osesp são de exclusiva responsabilidade do conselho'' PRESERVAÇÃO: ''O arcabouço institucional que mantém a Sala São Paulo e a orquestra é firme'' REGENTE: ''Não foram definidos ainda os métodos segundo os quais será feita a escolha do novo maestro'' O RESUMO DA ÓPERA ABRIL DE 2007: Boatos dão conta do desejo do governo do Estado de promover a saída do maestro John Neschling do posto de diretor artístico da Fundação Osesp. Entre os motivos estariam seu salário (R$ 100 mil) e o alto custo da orquestra. Enquanto o governo não se pronuncia, o maestro diz à imprensa estar ''cansado das boatarias'', ameaçando mesmo deixar o cargo caso elas continuem. Em resposta, o secretário de Cultura João Sayad afirma que qualquer decisão nesse sentido deveria partir do conselho da fundação. OUTUBRO DE 2007: É colocada no YouTube uma gravação feita durante um ensaio da Osesp, sem conhecimento de Neschling, em que o maestro se diz vítima de perseguições políticas e refere-se ao governador José Serra como ''menino mimado'' e ''autoritário''. MAIO DE 2008: Fontes ligadas à secretaria de Cultura informam que o maestro e pianista argentino Daniel Barenboim havia sido convidado para dirigir a Osesp em substituição a Neschling. Em visita a São Paulo, onde regeu a Staatskapelle Berlim, Barenboim negou ter sido procurado oficialmente. O secretário João Sayad fala em promover concurso público para escolha do novo regente. JUNHO DE 2008: Em depoimento à coluna Direto da Fonte, do Estado, o maestro John Neschling afirma que não vai renovar seu contrato em 2010 devido a pressões políticas do governo do Estado. ''A decisão foi exclusivamente minha. Eu estava preocupado com as ingerências. Desde o começo do governo Serra, tenho sido objeto de ataques desestabilizadores. Creio que o conselho sofreu enormes pressões políticas'', diria dias mais tarde em entrevista. No dia 19, ele entrega carta ao conselho da fundação em que explica que, para se dedicar a projetos pessoais, não renovaria o contrato com a orquestra. Em nota oficial, o conselho afirma que a ''respeitosa e inesperada'' carta do regente foi acolhida como ''confirmação de seu conhecido desprendimento e de seu espírito público''.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.