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Schiller, Oficina, Zé Celso e seis horas que santificam

Em cartaz até domingo, Os Bandidos celebra - com luz, música e cores - todo o amor que houver nesta vida

Por Pascoal da Conceição
Atualização:

"Os atores acabam de chegar! Os melhores atores do mundo! Seja na tragédia, comédia, drama histórico, pastoral, pastoral cômica, histórico pastoral, trágico-histórica, transcriação ?tragicômicahistóricapastoralconcretabstrata?, tragikomediorgia, tanto o drama com unidade tempo e lugar como no poema sem unidade nenhuma, Nelson Rodrigues, não muito pesado, nem Oswald de Andrade muito leve, tanto no respeito a tudo o que está no texto, dentro das normas, quanto na maior liberdade do improviso: Eles são os únicos." W. Shakespeare (tradução adaptada de Hamlet, para a montagem do Oficina) Esqueça toda caretice, todo folclore que somos obrigados a ouvir quando se trata dos espetáculos que ocorrem no Teatro Oficina. Mande pro lixo não reciclável o nhenhenhém preguiçoso que fala mal das peças de seis horas, ou aquele torcer de nariz que diz que já viu tudo e sabe de tudo. Talvez você fique meio sem jeito, como eu fico, quando um senhor todo de branco, até nos cabelos, vier cantando e de braços abertos em sua direção (é o Zé Celso), mas não vá pensando nada, nem deduzindo nada, ele vai surpreendê-lo. Vai cantar o ponto das crianças engatinhando, vai subir e descer os 50 metros da passarela do teatro mais rápido e em menos tempo que você precisa pra entender por que "strum und drang" virou "estrume do mangue" nessa tradução antropofagiada e carnavalizada do texto do adolescente alemão de quase 300 anos atrás para o brasileiro de hoje. Pode até ser que o olhar da garota do lado mexa com você, como há muito tempo não acontecia, ou que o garotão faça você reparar numa beleza e num cabelo igual ao que você já viu antes. Pode tudo dentro da mais escandalosa disciplina que o teatro mais rigoroso exige. Afinal são seis horas cravadas para contar com toda dedicação um dos mais eletrizantes textos da história do teatro mundial. Você nunca viu o que você vai ver e vai sair querendo mais. "Exu é duas cabeças. Ele olha sua banda com fé Uma é satanás no inferno A outra é Jesus de Nazaré!" Assim começa Os Bandidos na porta do Teatro Oficina. A voz maravilhosa da cantora Célia entoa com deliciosa melodia o canto que abre as portas para a entrada do público. Ela banha com champanhe a porta do teatro e nos prepara para o banho de luz, som, música, teatro, cores, mídias visuais em que estamos adentrando, pisando de leve no tapete branco que cobre o chão do teatro. É deslumbrante! Schiller em alemão quer dizer cintilante, a palavra reproduz o barulhinho das cintilações que emanam das coisas em vibração e será assim vibrante, barroco, luminoso, será assim que agora esse alemão, homem de teatro, nos será apresentado. Estou escrevendo tentando me segurar para não sair voando depois de seis horas meteóricas vividas dentro dessa arquitetura destinada às mais ardentes paixões, a caminho da alegria indescritível que é perseguida por essa peça de amor sobre todas as coisas. Uma intriga entre irmãos que rende um dos mais delirantes discursos sobre as vidas humanas. Estamos todos lá nesse encontro original, nos reconhecemos Jesus ou Satanás, amantes sempre, correndo atrás do desejo. Todos, sem exceção. A peça é simples como uma pétala e não há quem não se emocione. Vamos rir e chorar como há tempos não fazemos dentro do teatro, porque as interpretações são de arrombar. Não quero estragar a surpresa de ninguém, mas quando Naomi abre o segundo ato com a ária da ópera de Ariadne ou quando Damião Marcelo pede dez minutos de amor com Ariadne Sylvia, é de rasgar o coração de não sei que emoção, que palavras podem definir melhor. Preste atenção aos vôos dos corvos do Edgar Allan Poe, com seus definitivos nunca mais. Que riqueza de imaginação criou aquelas maravilhas? E o figurino cacho de uvas da Bacante Vidente? As marionetes? A banda que toca tudo que se possa imaginar, que vai do som mais pianíssimo, trompetíssimo, tamborinado, de baixo, voz, violão, até o mais estrondoso solo de bateria. Pra onde você olhar estará tendo visões inacreditáveis. Não dá pra citar um a um, é uma ficha técnica de gigantes. (Seria o caso de citar um a um, sem preguiça, mas não vão deixar passar, e o que eu quero é dar o mais rapidamente possível o meu recado.) Peguem a ficha ténica pra rezar baixinho cada um daqueles nomes que da direção à produção, à atuação, à criação, cada nome é o nome de um ator santo, que nos santifica e embeleza com tanta dedicação da gente que faz acontecer o teatro. Zé Celso é sempre à parte. Este homem é um gênio, um presente dos deuses para nosso mundo, uma honra para o teatro da cidade de São Paulo. Aliás, pela efervescência no teatro que se faz dentro do Oficina dá pra se compreender a diversidade teatral que enfeita e enriquece a vida da cultura desta cidade, uma floresta de tantos grupos, tanta gente fazendo teatro em tantos lugares: está lá o amor que se vê em todos os teatros, os atores, os grupos, que com sua viril inocência fazem o melhor teatro do mundo! Dá vontade de sair gritando todos os vivas e evoés que o teatro merece. Viva a Cooperativa Paulista 30 anos de Teatro! Viva Oficina 50 anos! Com todo amor que houver nesta vida, não deixe de viver essa alegria indescritível. Pascoal da Conceição é ator e participou de vários espetáculos do grupo Oficina Serviço Os Bandidos. 360 min. 14 anos. Teatro Oficina (350 lug.) R. Jaceguai, 520, Bexiga. 3106-2818. 6ª, 20h; sáb. e dom., 18h. R$ 30. Até 21/12

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